sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

SEGURANÇA OU PRODUÇÃO DO MEDO?




SEGURANÇA OU PRODUÇÃO DO MEDO?



“O direito mais básico do ser humano é o viver [...]. Quando esse direito é negado, todos os outros são”. (MIGUEL ARROYO, 2012, p. 41)


            Algumas perguntas: desde quando, caminhar na praia após as 22h é considerado suspeito ou fora do horário para quem está de férias ou mesmo para os munícipes, neste período de verão? Desde quando, estacionar o carro às margens da lagoa e nas proximidades da Praça da Bíblia é motivo para ser abordado pela Polícia Civil e ser tratado como suspeito e usuário de drogas? Desde quando, áreas próximas a esta praça supracitada são consideradas ponto de tráfico e de encontro de usuários de drogas?
            Talvez a prefeitura, tal como fez nas sinalizações das ruas devesse, agora, colocar placas sinalizando turistas e munícipes dos pontos onde não se pode parar ou estacionar o carro porque é ponto onde se escondem traficantes ou usuários de drogas. Ainda pergunto: Até quando a Polícia Civil vai continuar abordando os munícipes ou civis em férias - sem lhes solicitar os documentos e logo lhes acusar de comprador de drogas? Absurdo e indigno ato de abordagem.
            Temos que acreditar que uma ronda policial preventiva e que dê segurança aos munícipes deva ser aquela que, ao fazer seu trabalho o faça com ética, responsabilidade e respeito aos moradores de Barra Velha. Logo explico a tamanha indignação que me invade. Em outro momento da história de Barra Velha, já tivemos incidentes envolvendo certa “polícia especial” que, no abuso do poder, quebrou as pernas de um morador respeitado no município, além de outros possíveis incidentes que possam ter ocorrido. A Policia, enquanto Sistema de Segurança da População deve zelar pela vida e por sua qualificação e não agir de modo contrário a isso.
            O fato – há dois anos estou morando no Rio Grande do Sul e ao longo de toda a minha vida fui e continuo sendo habitante de Barra Velha porque pertenço a esta cidade e nela estão minhas raízes. Há bom tempo, não via uma amiga professora que morou por alguns anos em Barra Velha e neste ano, por esses dias chegou à cidade. Encontramos-nos e marcamos uma caminhada na praia. Após apreciarmos as belezas do mar e as mudanças que estão acontecendo na organização da paisagem urbana da cidade e já por volta de quase uma hora da manhã a deixei em sua casa. Tão logo saí de sua residência e ao voltar para minha casa pela Praça da Bíblia, parei o carro nas margens da lagoa para fazer um xixi, estava apertado e não podia mais agüentar aquela necessidade fisiológica. Assim que retornei para o carro fui abordado por policiais civis que me fizeram algumas perguntas: Seu nome? O carro é seu? Trabalha no quê? Mora aonde? E depois de projetarem a luz da lanterna algumas vezes em meu rosto para me ver, pediram para sair do veículo. E foi aí que me veio o susto, o medo tomou conta de mim quando disseram: “Você parou o carro aqui para comprar drogas. Neste local tem um traficante que se esconde naquele lugar” apontaram o lugar onde eu havia parado para fazer meu xixi. Novamente falaram: “Se você estiver mentindo, vamos te levar agora para a delegacia, você ficará pelado e vamos fazer a revista...se você tiver comprado drogas...” (veio a ameaça).
            Fiquei apavorado e na minha mente só vinha a lembrança do que haviam feito com um dos moradores de Barra Velha, aquele que quebraram as pernas. Fui liberado sob ameaça. Eu não conseguia parar de pensar: que tipo de segurança é esta? Ao invés de me alertar, me diz que sou comprador de drogas? Enquanto eu estava no carro e dizia que era professor e que trabalhava em uma universidade tudo parecia normal, logo que saio do carro, sou tratado como usuário de drogas, como comprador ou comparsa de traficantes? O absurdo ainda se estampou de outra forma. Tirei meus documentos e ofereci ao policial para que confirmasse quem eu era, nem olhou, apenas foi me acusando. Além do deboche estampado – “Uma hora da manhã não é horário para caminhadas na praia”. Eu disse: “Estou de férias e é verão”.
            Questiono: quem vem para Barra Velha neste período deve ficar trancafiado em casa? não pode circular pelas ruas e nem andar na praia? Não pode aproveitar seu período de férias para aproveitar a cidade? Isto é segurança? É este o serviço da Polícia Civil? Espantar e assustar os moradores e turistas/veranistas? Fiquei com medo e deu vontade de abandonar a cidade. Ir para outro lugar. Como escreveu Carlos Drummond de Andrade em um de seus poemas: “E agora José? E agora eu? E agora você?” Medo de quem? Da polícia ou dos traficantes? As praças de Barra Velha não são lugares seguros? As ruas do centro estão repletas de traficantes? Fico na dúvida, pois constata-se que é arriscado estacionar o carro em algum lugar para uma urgência inesperada e ser surpreendido como fui e ser taxado de usuário ou comprador de drogas.
            Não fui levado para a delegacia para ser despido e revistado, mas fui, em público e no meu direito de ter direito à rua, despido de minha dignidade. Não adiantou afirmar minha profissão, pois para os policiais não importava, o que lhes importava naquele momento era saber se estavam diante de um usuário de drogas que havia parado seu carro para fazer a compra de papelotes ou coisas do gênero. Isto é vergonhoso e para mim, em hipótese alguma é SEGURANÇA. Pelo contrário, é PRODUÇÃO DO MEDO.
            Como posso confiar naqueles que devem fazer minha segurança e a segurança de minha família se me tratam como um marginal? Como posso confiar naqueles que devem assegurar a estadia nesta cidade se nos fazem sentir medo e revolta? Tal fato me fez lembrar de uma invasão da policia no prédio da Universidade Federal do Paraná quando eu fazia doutorado e, naquele momento, ouvir uma das minhas admiráveis professoras dizer: “A SOCIEDADE VAI FICAR MAIS SEGURA QUANDO A POLÍCIA ESTIVER NOS BANCOS ESCOLARES”. Ser abordado, indagado e vistoriado não é problema, desde que se respeite o CIDADÃO; desde que se trate a pessoa, o ser humano com dignidade. Tive minha identidade e meus documentos ignorados e, no e pelo senso comum dos policiais, fui tratado um mero comprador de drogas. Pergunto ao prefeito, vereadores e aos responsáveis pela segurança em Barra Velha: Será desta forma a segurança em Barra Velha durante o período de veraneio? É assim que seremos tratados? Como sempre tenho escrito em meu blog e onde tenho defendido a ideia de que Barra Velha é nosso lugar comum, a VIDA precisa ser QUALIFICADA e a SEGURANÇA PÚBLICA tem papel fundamental nesse processo de qualificação. Repudio todo e qualquer ato grosseiro e desrespeitoso; repudio toda forma de injustiça e de maus tratos.      
               A gestão local precisa entender mais do que nunca que administrar a cidade para o bem comum exige intersetorialidade e disto as polícias e os sistemas de segurança não podem ficar de fora. Sou cidadão e defendo uma cidadania crítica, responsável e consciente com os AMBIENTES de VIDA, por isso não pude me calar diante do ocorrido. Também precisamos de uma POLÍCIA CIDADÃ e as armas para que essa grande meta se concretize são outras. A fundamental delas é a EDUCAÇÃO.


Prof. Dr. Valdir Nogueira


REFERÊNCIA

ARROYO, Miguel G. O direito a tempos-espaços de um justo e digno viver. In. MOLL, Jaqueline. Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012.

sábado, 15 de outubro de 2011

ECOTURISMO: ALTERNATIVA TURÍSTICA SUSTENTÁVEL

Barra Velha, nossa cidade. Jardim Icaraí, meu Bairro
Vista do bairro - Mirante Parada Havan


As contribuições apresentadas neste espaço do blog são de uma pessoa que, além de grande amiga, foi minha orientadora no Doutorado em Educação da UFPR e continua seus trabalhos e suas lutas por uma Educação Socioambiental de qualidade no mesmo programa de Pós-graduação da referida universidade. Obrigado, Sônia! Suas contribuições são fundamentais para um bem pensar Barra Velha e seus espaços turísticos, principalmente pelos indicativos de como fazê-lo na perspectiva da sustentabilidade socioambiental. 

Valdir.

ECOTURISMO: ALTERNATIVA TURÍSTICA SUSTENTÁVEL


Sônia Maria Marchiorato Carneiro


Valdir, parabéns pela sua última matéria no blog! De fato, a proposta de desenvolvimento de Barra Velha a partir do turismo sustentável é uma estratégia fundamental, dada as características de excelência turística dessa linda cidade litorânea do norte de Santa Catarina. Gostaria de usar esse espaço do blog para esboçar algumas reflexões no sentido de reforçar o que você enfocou.

É importante primeiramente ter presente que a ideia de sustentabilidade contrapõe-se ao turismo convencional, meramente capitalista, que objetiva apenas ao lucro para um grupo, sem preocupação com o desenvolvimento qualitativo dos lugares, sendo mais uma ameaça impactante do que uma atividade socioambientalmente sustentável. Nesse aspecto, ocorre a degradação das condições de vida dos moradores e dos próprios turistas, em razão do mau uso do meio natural, em especial nas áreas mais frágeis, como as zonas do litoral (praias, restingas, matas e mangues). Esse efeito de impacto negativo também atinge a esfera social, quanto à infra-estrutura deficitária, que não dá conta de atender a toda demanda de uso da água, de esgoto, da coleta de lixo, de hotelaria e campings, dos serviços de saúde e segurança, do uso do solo pelo aumento da população sazonal e pela especulação imobiliária.

Assim, uma das alternativas de turismo mundialmente reconhecidas como de baixo impacto socioambiental é o Ecoturismo. Com base na concepção do Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) (1995), o Ecoturismo é uma atividade que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentivando sua conservação e busca a formação de uma consciência ambiental por meio da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar das populações envolvidas. Sob essa ótica, Gustavo Laskoski (2006), enfoca os princípios do Ecoturismo, que possibilitam uma política turística justa socioambientalmente, a partir do envolvimento de ações conjuntas entre governo, empresas e comunidade local. São esses os princípios:

- uso dos recursos naturais e socioculturais de forma sustentável (responde às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras), garantindo a viabilidade do turismo a longo prazo;

- redução do consumo exagerado e do desperdício, evitando o custo de recuperação do meio natural danificado e contribuindo para a qualidade do turismo;

- integração do ecoturismo ao planejamento estratégico nacional e local, em conexão aos Estudos de Impactos Ambientais;

- apoio às comunidades locais no setor turístico, não só trazendo-lhes benefícios e à realidade ambiente, mas melhorando a qualidade de experiência do turismo;

- consulta aos investidores, comunidades locais, organizações e instituições para um trabalho conjunto, na perspectiva de conciliar interesses potencialmente conflitantes;

- capacitação de equipes que integrem o turismo sustentável e do pessoal local;

- condução criteriosa do marketing, em vista de informações objetivas e satisfatórias aos turistas, para que eles se motivem a respeitar o meio natural, social e cultural das áreas de destino;

- realização contínua de pesquisa e monitoramento das áreas turísticas pelos órgãos responsáveis, coletando e analisando dados para a solução de problemas, sempre buscando beneficiar as populações locais, o turismo e sua clientela.

O desenvolvimento de atividades ecoturísticas em cada região e lugar depende de uma avaliação diagnóstica das suas peculiaridades e potencialidades naturais e socioculturais, verificando-se o que é possível empreender com segurança técnica e qualidade de lazer. Dentre as várias atividades, vale destacar algumas que podem ser realizadas em regiões litorâneas:

- ecoturismo esportivo: canoagem, vôo livre, balonismo, surf, escalada, windsurf, paraquedismo, cicloturismo, mergulho;

- ecoturismo lúdico e recreativo: caminhadas, acampamentos, contemplação da paisagem; banhos;

- ecoturismo étnico ou cultural: contatos e interação com populações tradicionais da região, observação de edificações históricas, visitas a artesanatos e museus;

- ecoturismo científico: estudos e pesquisas científicas em diversas áreas, como botânica, geologia, arqueologia, paleontologia, zoologia, biologia, geografia e história;

- ecoturismo educativo: observação da fauna e da flora, interpretação da dinâmica da natureza, obervações astronômicas e orientações geográficas e trilhas interpretativas.

Algumas dessas atividades são relacionadas diretamente com outras, como por exemplo, a atividade astronômica, além de ser um ecoturismo educativo, pode ser científico. E se as atividades ecoturísticas, forem bem conduzidas e praticadas, trazem benefícios à comunidade, como: diversificação da economia local tanto da área urbana quanto rural; geração de empregos não só no setor turístico, mas em outros segmentos socioeconômicos, estimulando a criação de hotéis, pousadas e outras instalações de alojamento, de restaurantes e serviços gerais de alimentação, de transporte, de artesanato e de guia; asseguram o desenvolvimento turístico apropriado à capacidade de suporte dos ecossistemas envolvidos; estimulam a melhoria do transporte, da comunicação, do comércio, de instalações de lazer (praças, parques, passarelas de pedestres etc.), de arborização, de despoluição (do ar, da água, do solo, sonora) e de outros aspectos da infra-estrutura comunitária (saneamento e serviços de saúde, educação e segurança); valorizam a importância dos bens naturais e socioculturais e o bem-estar social da comunidade.

Mas para que esses benefícios aconteçam, é preciso vontade política, especialmente por parte do governo, dando-se destaque às seguintes ações prioritárias:

- abertura, pelo governo municipal, de canais de participação da comunidade na gestão turística (fóruns abertos aos cidadãos, via TV, internet, imprensa local, seminários, encontros etc.), possibilitando-lhe partilha de responsabilidade nas decisões de planejamento e implementação de projetos ecoturísticos, assim como a discussão de problemas locais e proposição de soluções; tais ações, de caráter democrático, valorizam as pessoas do lugar como cidadãos ativos, na medida em que consigam expressar suas opiniões, necessidades e anseios;

- integração do governo local em projetos dos governos estadual e federal, de universidades, de ONGs, de associações comunitárias, entre outros, visando a favorecer a expansão do Ecoturismo no município e na região; para efetivar a participação qualitativa das pessoas na gestão turística, faz-se necessário a criação de programas de capacitação das lideranças comunitárias, políticas, empresariais e governamentais;

- empreendimento, pela prefeitura, de ações para ampliação da infra-estrutura (saneamento básico, educação escolar, saúde, segurança, ruas pavimentadas e calçamentos, locais de lazer etc.), em vista do desenvolvimento da qualidade de vida dos moradores e da estadia dos turistas;

- destinação, pelos governos local e estadual, de investimentos para Estudos de Impactos Ambientais para promover planos de desenvolvimento regional ecoturístico, bem como promover uma efetiva fiscalização ambiental, fazendo cumprir leis e normas de ocupação de solo e de proteção dos ecossistemas litorâneos; sob esse aspecto, torna-se importante o governo elaborar um zoneamento ecológico-econômico do município, envolvendo os conceitos de suporte/carga, limite aceitável de mudança, de sustentabilidade espacial e das áreas de preservação;

- incentivo pelas autoridades administrativas à prática de atividades econômicas tradicionais, como a pesca, o artesanato e festas típicas da região; e desenvolver programas de Educação Ambiental voltados à comunidade local, aos operadores do ecoturismo e aos turistas, para que tal atividade ganhe resultados valiosos para o lugar, sob o ponto de vista do respeito e de divulgação positiva.

A Educação Ambiental nos vários segmentos sociais, incluindo a instituição escolar, é de fundamental importância na formação da consciência socioambiental cidadã das pessoas, entendida como conhecimento crítico da realidade para ações criteriosas e benéficas. E sob essa ótica, destaca-se a responsabilização pelos deveres e busca de direitos individuais e coletivos por um ambiente de vida sadio – direito constitucional de todo cidadão.

A intenção desse pequeno ensaio é instigar o Ecoturismo em Barra Velha para os três lances que o professor Valdir enfoca: turismo em tempo integral; turismo em tempo de veraneio e em tempos intersticiais, tendo-se em vista cativar o turista para o desejo de sempre querer voltar a esse recanto litorâneo.

Referências

INSTITUTO BRASILEIRO DE TURISMO; INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS: diretrizes para uma política nacional de ecoturismo. Brasília, DF, 1995. Disponível em: <ambientes.ambientebrasil. com.br/ecoturismo/política nacional de ecoturismo/diretrizes para uma política nacional de ecoturismo. htm > Acesso em: 11/10/2011.

LASKOSKI, Gustavo T. Ecoturismo: meio ambiente. Trabalho de Graduação (Curso de tecnologia Eletrônica) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2006.

SILVEIRA, Marcos Aurélio T. da. Ecoturismo na Ilha do Mel: diagnóstico e recomendações para implementação. In: NEGRELLE, Raquel R. B.; LIMA, Renato Eugenio de. Meio ambiente e desenvolvimento no litoral do Paraná: subsídios à ação. Curitiba: NIMAD-UFPR, 2002. p. 239-258.


domingo, 2 de outubro de 2011

TURISMO SUSTENTÁVEL EM TRÊS LANCES: PENSANDO BARRA VELHA

Praia do Grant - Itajuba - Barra Velha


            Pensar o turismo numa racionalidade sustentável exige que se pense e aja a partir de padrões e modelos de vida que se projetem para além da lógica consumista e degradante da vida; que se engaje numa produção e desenvolvimento equilibrado e consciente dos territórios das cidades respeitando-se e valorizando-se a cultura, a sociedade, a econômica, a política e o ambiente dos lugares em suas interconexões e interdependências. É preciso andar na contramão da lógica que visa apenas o lucro e a exploração dos bens naturais e sociais, culturais. E andar na contramão requer posicionamento e (re)conhecimento dos potenciais humanos e dos ambientes de vida em termos de sua qualificação. 
            Como sustenta Enrique Leff[1] (2008, p. 29), “A nova economia deve basear-se em uma articulação entre cultura e natureza, a saber, a capacidade criativa do ser humano, da produtividade cultural associada à produtividade ecológica do planeta e de cada um de seus ecossistemas [...]”, o autor continua a pontuar ideias nesse sentido, articulando aspectos da globalização e da economia de mercado a um outro processo civilizatório fundado na diversidade das economias locais. São ideias fundamentais que nos ajudam a sustentar um turismo que se fundamente nessa racionalidade, ou seja, que se volte para a relação todo-partes e parte-todo numa perspectiva integrativa e não exploratória - apenas de uso. Que valide e sustente de forma orgânica os potenciais comunitários – dos centros, das periferias, dos bairros, das vilas, dos vilarejos, das associações, dos grupos etc., de forma articulada. A partir dessa ideia introdutória e considerando que sou educador, as reflexões e pontos que levanto são com esse olhar – o olhar de um professor-educador socioambiental preocupado com os rumos de um bem-viver, bem-construir turisticamente Barra Velha, nosso espaço de vida comum.

            Quando estive na Europa, ao andar pelas cidades que visitei em Portugal, França, Espanha, Inglaterra e Alemanha, sempre me fazia a mesma pergunta: o quê, nesses países e nessas cidades fazia/faz com que eles/elas sejam tão visitados/visitadas e tão repletas de turistas ao longo do ano? Que elementos da paisagem local definem o trânsito, a dinâmica de visitantes? Ao me questionar, sempre lembrando de minha cidade – Barra Velha – litoral norte de SC, comecei a olhar mais detalhadamente para os aspectos socioculturais dos lugares que visitei; me detive mais afuniladamente para as minúcias do que acontecia em cada uma das cidades nas quais estive e com as quais pude apreender alguns aspectos que, no meu entender, definiam a funcionalidade turística dos mesmos.
            Pude perceber, como define Milton Santos (1997; 2006[2]), os fixos que estão presentes na paisagem histórico-urbana que, por si, se configuram como traços característicos e que alimentam a busca por esses lugares em termos de lócus de observação, aprendizagem e descanso. A exemplo, cito os castelos que visitei na França, na Espanha, em Portugal e na Alemanha; as muitas igrejas, os palácios, as pontes históricas com suas muralhas; os muitos restaurantes e bares com a tipicidade dos lugares, com as características culinárias próprias das regiões que conotavam singularidades; os estádios de futebol; os monumentos, as estátuas, os obeliscos, as figuras emblemáticas dispostas nas praças, nas entradas, nos portões de cada cidade; as praças arborizadas, os jardins públicos; os museus de arte e de história natural, como o de Londres  - Natural History Museum; as danças típicas de cada região, de cada localidade, como aquelas que assisti na Espanha ou o fado, em Portugal. A religiosidade impregnada em muitos lugares e que os fortaleciam como pontos de encontro, como espaços de experimentação do sagrado, do divino, a exemplo do Sacre Coeur e de Notre Dame, em Paris; o Santuário de Fátima, em Portugal etc.
            Pude constatar ainda, a atmosfera organizacional de cada lugar, onde não se podia sentir-se perdido dado à riqueza de mapas que se ofereciam nos famosos (i) – pontos de informações turísticas; as sinalizações nas ruas, avenidas, praças, e lugares de visitação – cada placa, cada sinalizador eram também, motivos de sentir-se envolvido pela harmonia, pelos detalhes dos lugares. Não posso deixar de apontar, ainda em termos de fixos, a riqueza das praças públicas – lugares fascinantes pela forma como eram/são tratadas, cuidadas, limpas – arborizadas, ajardinadas, com bancos, com lugares para jogos, para conversar; com espaços para brincar e pensar, ou seja, as praças criavam mundos dentro daqueles mundos das cidades. Muito se via de jovens, idosos e crianças aproveitando desses lugares porque ofereciam nelas, espaços para ser, para estar, para viver e conviver. As praças não se colocavam apenas como um enfeite, um arranjo da cidade, eram/são lugares de encontro, de partilha da vida.
            As cidades de modo geral, pela arquitetura, pela história, pela forma de vida se configuravam como espaços para aprender e viver de forma intensa. Percebi que era preciso muito tempo para aproveitar intensamente cada detalhe desses lugares. Isso me levou a questionar ainda, como uma cidade igual a minha pode ser vista e vivida de forma tão intensa?
            Além dos fixos, Milton Santos (1997; 2006) trata ainda, em relação à espacialidade, dos fluxos – elementos fluidos, que dão outras dinâmicas, outros sentidos aos espaços. Assim, pude constatar também, nesses países e nas cidades, as festas nacionais ou locais – muito comuns e algumas, incomuns como a festa da magia, saudando os mistérios da vida e da alegria, em uma cidade alemã. Em muitas cidades, por onde passei, vi que havia orquestras, bandas, coros em apresentações constantes nas ruas, nas praças, nas calçadas, nos calçadões centrais. Foi maravilhoso ouvir uma pequena orquestra de meninos em Nüremberg – Alemanha, ou uma sinfônica em apresentação noturna, em Coimbra – Portugal; as feiras com produtos locais, com a cultura local – música, teatro, dança, poesia, literatura e grupos folclóricos.
            O que se percebia era que não havia um dia estipulado, uma data determinada para essas coisas acontecerem, as cidades respiravam e produziam cultura, produziam sensações de alegria, de gosto, de vontade de estar nelas, de voltar e aproveitar mais de cada recanto, cada canto e detalhes daqueles lugares. A vida fluía em cada recanto, de diferentes formas. Enfim, além de toda a beleza e cuidado com o meio natural e social, havia uma acolhida ao visitante que produzia sentidos e significados múltiplos, capazes de deixar a cidade gravada no corpo e na alma. Eu poderia pontuar outros elementos ainda, mas ao revisitar essas memórias de viajante, pensei em como elas poderiam me ajudar, enquanto educador, a pensar a sustentabilidade do turismo em minha cidade, como segue nas próximas reflexões, de forma pontual.


PRIMEIRO LANCE – TURISMO EM TEMPO INTEGRAL


            Acredito que um turismo em tempo integral, em sua totalidade seja aquele praticado a partir da, na e com a força do lugar; com os potenciais socioambientais do lugar ao longo de todo o ano, de modo que a cidade se sustente, se mantenha, se configure como um espaço de trocas econômicopolíticas contínuas, ao considerar a relação turismo-sujeitos-ambientes.
            Há uma prática arcaica de se fazer turismo, no meu entender, que pouco alavanca a totalidade do tempo e dos espaços de vida em um lugar, qual seja, o turismo pautado apenas nas grandes festas. Parece que é só isso que se tem a se oferecer em uma cidade, em determinado período do ano. Grandes shows, grande concentração de pessoas e num lapso de tempo tudo termina e a vida volta ao seu curso normal. Acredito que a cidade deva estar em festa o tempo todo, deva estar mobilizando suas forças na integralidade, ou seja, de forma contínua. Para isso, é fundamental que se olhe para suas minúcias, para seus detalhes, para suas belezas e riquezas socioculturais e socioambientais.
            Além do mais, é preciso que se entenda a cidade como um território educador, como um espaço de aprendizagens e trocas constantes, o que ajudará a fortalecer o trânsito de pessoas, visitantes e interessados em suas peculiaridades. Se voltarmos às ideias de fixos e fluxos, poderíamos pensar em quantas praças, quantos pontos de encontro, diálogo, lazer e descanso encontramos em Barra Velha? Quais são e como estão e onde estão? Nessa perspectiva é preciso que se pense a cidade como um corpo em sua inteireza – cada bairro, cada comunidade, cada localidade é e deve se configurar como espaços de atração e de visitação contínua. Como esses lugares estão organizados para receber turistas e visitantes?
            Parece que, em muitas vezes a lógica é apenas aquela que se foca no centro e nas praias, impedindo um olhar para a complexidade, para a organicidade de todo o sistema socioambiental do lugar que é nossa Barra Velha. Pensemos, por exemplo, nos pontos socioculturais e históricos – que beleza seria termos a casa construída com fibra de palmito, transformada num museu e dar destaque, dar ênfase a isso (mas parece que falta esforço político), revitalizar e empoderar o porto das canoas – lugar único, singular com as marcas dos açorianos, mas que mais se parece com um espaço que atrapalha a passagem do asfalto e da ganância pelo lucro. Talvez produzisse mais lucro e mais riqueza se houvesse ali todo um cuidado com a preservação e a conservação da cultura, dos traços históricos etc. Seria maravilhoso se a arquitetura e o planejamento urbano valorizassem, naquele lugar, a construção de um rancho dos pescadores em perfil/modelo artesanal, não o modelo das selvas de pedras modernas (que nada tem de rancho); um espaço para mostrar como se fazia a rede de fios do tucum, enfim, que encantamento produzimos nos visitantes que chegam de longe ou de perto?
            As festas são sempre transitórias, fluxos. A beleza cultural é fixo, é integral. As muitas localidades do município apresentam características peculiares, riquezas e valores que deveriam ser potencializadas numa política de turismo integral – rural-urbano-natural. Criar pontes e espaços de visitação com atrações permanentes – as feiras dos agricultores, as apresentações artísticas, a revitalização dos traços que configuram o povo de Barra Velha – o cordel, o boi de mamão, as danças açorianas, o divino, o São Gonçalo, os engenhos de farinha, a pesca, a indústria artesanal etc.
            É fundamental que se olhe para o conjunto e associado a ele, se coloquem, se disponha para a população outros atrativos como os shows, as festas, os eventos – gastronômicos, científicos, políticos, culturais – produzir um calendário integral de um turismo de e em tempo integral. E nesse sentido, quero ainda destacar, que um turismo nessa perspectiva, procura olhar para o potencial crítico e criativo da população, do povo, das muitas gentes da cidade, do território habitado. Voltar o olhar para a força da juventude, dos idosos, das pessoas que produzem cultura, que investem tempo e vontade na organização de outros espaços de atração e de mobilização do turismo, qualificando suas vidas e seus lugares de vida. Uma prática turística sustentável não deve focar-se apenas no lucro imediato de alguns poucos, mas na qualificação da vida de todos os habitantes na totalidade do território turístico.
            Como os detalhes, as particularidades, as propriedades específicas do que é Barra Velha estão ou podem estar projetadas num cronograma de tempo integral de um turismo sustentável? Isso é um desafio que se traça, uma meta – pensar Barra Velha como espaço-tempo integral e dinâmico em sua sustentabilidade turística. É uma opção e uma escolha. Talvez se queira a cidade com tudo o que ela apresenta de riqueza/beleza, apenas como um espaço-lugar para os tempos da aposentadoria. Aí é preciso que se coloque a cidade numa outra racionalidade, outra perspectiva de vida. No entanto, se ela é concebida como um espaço-tempo onde se estabelecem as múltiplas conexões entre tempos e espaços de vida diversos é preciso que ela se desenvolva dinamizando-se e projetando-se de modo interdependente. Isso nos leva para o segundo lance.


SEGUNDO LANCE – TURISMO EM TEMPO DE VERANEIO


            O verão, por si, já é um tempo que marca muitos momentos, muitos outros tempos – o das férias, dos encontros, do descanso, da alegria de poder sair, viajar, ir para outros lugares; tempo de ampliar os recursos financeiros, os ganhos etc. É uma constância de muitas intencionalidades e ações que se desenvolve em um período curto – não é verão para sempre. E isso nos leva a pensar e questionar – como fazer desse tempo, um tempo intenso de vida e de aproveitamento consciente e responsável para todo o conjunto da cidade, para toda a territorialidade do município? É nesse tempo que se refletem o que muito se fez ou não, em outros tempos, por exemplo, o preparo dos hotéis, das pousadas, das avenidas, das calçadas, das ruas, das passarelas, do comércio, das atrações, da acolhida, da receptividade etc.
            Quem visita uma cidade, ainda mais uma cidade como a nossa, quer não só se distanciar, por um tempo, dos espaços onde vive cotidianamente; quer também viver novas experiências, mas com proteção, com cuidado, com surpresas positivas. Por isso, o tratamento cuidadoso e respeitável é fundamental e quando se chega nessa época, principalmente em nossa cidade, mais se descobre o que não se pode fazer do que o quê se pode fazer e vivenciar.
            Como está qualificado o trabalho, os serviços e tudo o quê a nossa cidade oferece? E, além de tudo o quê ela oferece, o quê ainda pode oferecer ao turista, ao visitante? Como seus espaços-lugares podem ser melhorados, organizados, enriquecidos para que aqueles que os visitam voltem e se encantem com a cidade? É preciso produzir encantamento. Gosto e desejo de volta. É preciso produzir sonho. O verão é um tempo de se produzir novas perspectivas, novas possibilidades de vida e a cidade que acolhe o visitante é responsável por ajudar nessa produção – fazer ou empoderar os sonhos daqueles que tocam nosso solo, nosso chão, nossa terra. Assim, no verão, temos que ter espaços para os parques, para as aventuras, para os passeios, para as descobertas; espaços guiados e com orientações, com sinalizações, com ampla infraestrutura que assegure estar naquele momento e naquele lugar sem incômodos, sem interferências negativas.
            O tempo do verão é um tempo para que se possa produzir, nos sujeitos, nas pessoas, vontade de retorno ao invés de negação e desdenho. Sabe aquele prato inigualável que você experimenta e diz para si mesmo “eu quero mais um pouco”? É isso, é preciso produzir esse mais um pouco. Acredito que já temos condições de avançar para além da ideia de que Barra Velha é apenas uma cidade transitória – por onde passam aqueles que vão para outros recantos do litoral sul.
            Muito pelo contrário, somos o norte, mas também o sul e se temos oferta, se temos condições, se temos uma organização que produz desejo de permanecer, o transitório se estende para o “quero mais um pouco”, para ficar mais e demorar-se. A lógica do transitório, do lugar de passagem desqualifica, coloca nossa cidade numa perspectiva de pouco necessária. Por isso, no verão, a comida, a dança, a música, a festa, o jogo, o circo, a poesia, a arte, as luzes, as praças, os parques, os mapas, os sinalizadores, os acolhedores, os indicadores, o dia e a noite se interpenetram, se complementam ao complementar a vida daqueles que nos visitam.
            Enquanto geógrafo diria que um bom mapa turístico e um responsável planejamento estrutural não permitirão que as pessoas se percam, ao contrário, por se acharem, ajudarão a outros se encontrarem nos muitos lugares do lugar que é Barra Velha. Essa cidade tem força e tem gente que quer mostrar o que pode e como pode, o que faz e como faz, o que deseja fazer e como deseja fazer, mas para isso é preciso ir ao encontro delas, é preciso redescobrir a própria cidade.


TERCEIRO LANCE – TURISMO EM TEMPOS INTERSTICIAIS


            Os interstícios são pequenos espaços/intervalos de tempo. São fendas abertas na totalidade do tempo. E isso é um aspecto importante e interessante se pensarmos que um turismo sustentável pode e poderá/deverá contribuir para que, além dos tempos de pique, dos tempos de alta concentração, dos tempos onde se detectam maior mobilidade de pessoas e de visitantes, se pense nos intervalos bimestrais, trimestrais, semestrais ou outros ainda, em escalas menores.
            Aqui nos cabe perguntar, como aquilo que é próprio do lugar pode sustentar sua força e desenvolvê-la ainda mais? Que estratégias possibilitam uma relação de forças entre a escala local e a global? Por exemplo, é fundamental que se tenham espaços para eventos como apresentações teatrais, convenções, amostras de arte, cinema, dança; que haja espaço para noites culturais, encontros entre jovens, assembléias etc.; fertilizar a música local, a dança local associada aos eventos globais – feiras, encontros de empresários, movimentos de estudantes, de grupos folclóricos etc.
            A cidade precisa abrir-se e buscar o diálogo com outras instâncias para que esses tempos intersticiais se coloquem, se façam presentes no calendário integral da proposta turística da cidade e, em sua totalidade, do município. Como bem pontua Milton Santos (idem), tempos e espaços são inseparáveis, por isso, numa racionalidade sustentável, não se pode pensar o turismo somente nos macrotempos, nos grandes momentos de pique, de movimento, de trânsito entre cidades litorâneas que se comunicam pelo veraneio dado a sua riqueza natural.
            É fundamental que se produzam dinâmicas e ações, metas, objetivos voltados a uma valorização dos muitos tempos turísticos ao longo do ano em uma cidade. Nossa forma de olhar e de promover ações está muito direcionada aos grandes eventos, às grandes obras, aos grandes movimentos. Nos esquecemos de olhar para os detalhes, para as minúcias, para as particularidades, para a singularidade dos lugares e das pessoas.  Pensar a cidade numa ecologia da ação e dos tempos nos ajudaria a desenvolvê-la de forma mais inteira, mais integral e menos parcelar, menos fragmentada.
            O quê é único em Barra Velha que faz com que as pessoas queiram estar nela? O quê a faz diferente? O quê a torna diferente de tudo o que já se viu e experimentou em termos de estada em outros territórios, em outros contextos? Quando começarmos a olhar para isso e potencializarmos tal redescoberta, colocaremos nossa cidade no lugar que ela merece. Porém, para que isso aconteça, é fundamental que a mesma seja educada para e pela sustentabilidade.
            Uma cidade aprendente, um território educador é um lócus, um espaço onde os sujeitos convivem cotidianamente com respeito, cuidado e ética; com o auto-heterocompromisso de fazer-se mais ao fazer o outros serem mais. A valorização do território turístico passa pela valorização e potencialização dos sujeitos, das pessoas que o constroem, o produzem constantemente. Tal opção em termos de uma produção sustentável do turismo local requer decisão política, escolha consciente e prudente de desenvolvimento de um conjunto de ações que estejam equilibradas quanto à viabilidade social, econômica, cultural e ambiental (físico-natural). E isso não é discurso, é opção de vida. Enquanto as políticas forem aquelas de brigas de comadres onde cada um defende seu assado, muito pouco se fará para um desenvolvimento sustentável equilibrado e que qualifique o lugar, a cidade e a vida em todas as suas dimensões. Uma política saudável de turismo produz o gosto, a vontade, o desejo de querer mais.


NOGUEIRA, Valdir.

Obs. A reprodução dessas reflexões só será permitida com autorização do autor.


[1] Cf. LEFF, Enrique. Discursos sustentables. México: Siglo XXI Editores, 2008. “La nueva económia debe basearse en una rearticulación entre cultura y naturaleza, es decir, de la capacidad creativa del ser humano, de la productividad cultural asociada a la productividad ecológica del planeta y de cada uno de sus ecosistemas. Sobre esas bases será posible desarticular una globalización uniforme, homogénea, guiada por la ley hegemónica del mercado, para construir otro proceso civilizatorio, fundado en una diversidad de economías locales articuladas – que bien pueden intercambiar excedentes económicos -, arraigadas en los principios, valores y sentidos de una racionalidad ambiental” (p. 29). 

[2] Cf. SANTOS, M. Espaço & método. São Paulo: Nobel, 1997; A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2006. 

sexta-feira, 24 de junho de 2011

DEZ TEMAS

PARA UM PLANEJAMENTO SOCIOAMBIENTAL RESPONSÁVEL E VOLTADO A UM BEM-VIVER EM BARRA VELHA

Entardecer na praia do Tabuleiro

             Nas próximas postagens do meu blog, estarei discutindo o que chamo de temas para um planejamento socioambiental responsável, tal como é anunciado no título geral dessa proposta de discussão e reflexões sobre e para bem pensar, agir e viver em nosso município. Em linhas gerais, as preocupações socioambientais não dizem respeito apenas às questões que envolvem o meio ambiente numa lógica naturalista e, nesse contexto, preocupado só com um olhar sobre e para a natureza ou os bens naturais que configuram o território e a espacialidade geográfica de Barra Velha. Pelo contrário, numa concepção relacional colocam-se, nesse enfoque, as relações naturais com as humanas em sentido de um entendimento integrado das formas de interdependência entre o viver humano e os bens naturais que fazem parte da estrutura e da organização socioambiental onde este vive. Assim, ao pensarmos Barra Velha na ótica do conjunto e das relações entre ambiente e vida, natural e social, estaremos tratando de aspectos como os que estão propostos nas dez temáticas relacionadas, a seguir:



1.      Turismo equilibrado;


2.      Sustentabilidade econômica e política;

3.      Investimento consciente com, na e para a sociobiodiversidade;

4.      Estabelecimento de parcerias-forças;

5.      Potencialização das características e perfis urbano e rural;

6.      Qualificação e divulgação ética da imagem do município/cidade;

7.      Gestão emancipatória - para além da ótica do gerenciamento dos planos e metas de desenvolvimento;

8.      Política própria de avaliação do desenvolvimento territorial e humano;

9.      Ações integrativas e de coexistência entre os poderes;

10. Consolidação das demandas socioambientais e produção da FIB – Felicidade Interna Bruta. 
            


             Essas temáticas poderão, conforme o enfoque a ser dado, se desdobrar em outras subtemáticas que, a meu ver estão em relação com contextos, escolhas, modos de fazer, ver, entender e comprometer-se com os resultados e alcances do que se pretende intencionalmente para o bem de Barra Velha. Essa proposta reflexiva para o blog, caminha na direção de se pensar conjuntamente, a qualificação da vida e dos modos de vivê-la no espaço/lugar que é Barra Velha.
            Na próxima postagem estarei tratando do primeiro tema. Uma pergunta já se coloca para pensarmos juntos: O que seria e como se definiria, em relação à Barra Velha, um turismo equilibrado? Vamos pensar? A tentativa e o exercício que se seguirá, será colocar essa discussão no contexto do pensamento socioambiental que não separa as dimensões sociais, econômicas, políticas, culturais, históricas das dimensões naturais, ambientais, ecológicas, analisando nesse contexto, as viabilidades de viver de forma sustentável e na busca do equilíbrio entre as relações humanas e suas intervenções no meio.
            Barra Velha é nosso lugar comum, por isso, nossa responsabilidade. Não se pode pensar o futuro da cidade ou do município como uma prática individualista e egocêntrica. Para longe dessa perspectiva, o que temos que entender é que, em nos considerando habitantes e pertencentes a esse espaço/lugar, nosso futuro é comum e só poderá ser bem perspectivado se nos colocarmos de forma consciente e prudente no hoje – o que é e pode ser Barra Velha no presente.


NOGUEIRA, Valdir
Obs. As reproduções das ideias nessas discussões temáticas só serão concedidas via concessão do autor.  
nogueira.ufsm@hotmail.com 


segunda-feira, 6 de junho de 2011

A GRAVIDADE DA GREVE: APOIO AOS PROFESSORES

  Fonte:  disponível http://fotografeumaideia.com.br

          Desde o final da década de 1959 – quando defendeu a tese “Educação e Atualidade Brasileira”, até sua morte em 1997, Paulo Freire sempre destacou em seus escritos as relações entre opressores e oprimidos na educação, com ênfase nas estruturas políticas e econômicas de ideologias alienantes e promotoras dos mass media. Também focava essa problemática socioeducativa na relação professor-aluno, direcionando o olhar a uma educação que ele caracterizou como bancária e autoritária, voltada a reforçar e produzir sujeitos fáceis de comandar; doutrinados e habituados a práticas reprodutivistas.
            Esse segundo aspecto das denúncias freireanas, em parte, já está sendo superado no campo educativo. No entanto, o primeiro aspecto, de modo geral, ainda salta aos olhos, dado seus novos formatos e maneiras de interferir e influenciar o como se vê professores, escola e alunos e o que se quer deles. Um dado fundamental da teoria de Freire, nesse contexto da relação entre oprimidos e opressores, se destaca quando ele chama a atenção para o fato de que tal relação tende a ser mais agravante quando os oprimidos se tornam opressores.
            Na educação escolar, por exemplo, isso pode ser identificado na relação gestores-educadores, quando educadores passam a ser gestores e tratam os professores como peças de seus conchavos político-partidários. Ou ainda, na relação professor-professor quando uns criticam os outros, ou desqualificam os colegas em suas lutas. A opressão toma rumos que desestabiliza o trabalho docente e alimenta o desejo do não-querer estar, não-querer ser e não-querer agir enquanto profissional da educação. Os professores são levados a perder o desejo, a vontade e a força que os mobiliza a estar nos espaços escolares.     Enquanto educador que fui de rede pública municipal, foram vários os momentos que presenciei a coação e o exercício do poder via dispositivos de opressão nos espaços escolares: do “caderninho vermelho” aos comandos de obediência das ordens de acato às amarras político-partidárias – não pode fazer greve, não pode se expor, não pode defender seus valores, não pode falar – e nossas vozes, muitas vezes, foram silenciadas; não pode isso ou aquilo. O não-poder era o que alimentava o pseudopoder opressor. Ficava-se a mercê de determinadas formas de ação contraproducentes e ilegais que inibiam e desestabilizavam todo e qualquer professor comprometido com uma educação politizada e cidadã.
           Quando fui aluno, também enfrentei momentos de produção do medo no espaço escolar – quem não temia o velho “caderno preto”, caso fizesse algo que não se adequava aos padrões e normas da escola? Ele colocava disciplina? Qual? Aquela da ditadura? Autoridade não pode ser confundida com autoritarismo. Mais um dispositivo de poder – falso poder. Um dispositivo de opressão que um dia esteve presente nas escolas e hoje, se faz presente nas memórias dos processos de escolarização. Talvez não se use, nos dias de hoje, os cadernos pretos, mas se usa do diário de classe, das provas, das ameaças, enfim, os dispositivos também mudaram, mas as intencionalidades continuam sendo aquelas da opressão.
            Talvez tenham abolido os cadernos vermelhos, mas continuam a utilizar das ameaças de demissão, da perda dos cargos comissionados – formas outras de controle e de silenciamento de vozes; talvez continuem obrigando os professores a fazer acordos que neguem seus valores e sua ética. As políticas educativas e as formas de agir com e a partir delas parece que mais tem se qualificado como políticas de opressão do que de libertação do trabalhador da educação – o professor e, com ele, os sujeitos-alunos que deveriam estar apreendendo a agir de forma politizada num contexto de vida democrática.
            Em outro sentido e sem entrar numa dimensão de saudosismo, pois nem vivia em tal época (entre os anos 20 e 50), mas tentando resgatar os valores implícitos na história do fazer docente nesse país e em suas terras, houve um tempo em que o professor era o senhor professor; houve um tempo em que ele podia ter sua biblioteca particular, comprar seus livros, dispor de tempo e de espaço com qualidade para pensar suas propostas educativas; houve um tempo em que o professor podia viajar para o exterior e usar de suas experiências para ampliar o universo cultural de seus alunos etc. Mas, como se costuma dizer e esse dizer tem validade, os tempos mudam e mudam mesmo!
            Hoje o professor tem que escolher entre comprar o leite para os filhos ou o livro de que precisa para sustentar seus planejamentos; tem que optar entre fazer uma viagem de ônibus (porque de avião não dá) para uma cidade próxima onde mora (porque para uma cidade longe custa caro) como forma de descanso ou guardar/juntar o dinheiro para pagar as contas de água, luz e saneamento básico; se no passado recebia maçãs e flores, hoje recebe chutes, socos, desaforos e tratamentos brutais e covardes. Mudou muito o tempo, mudou muito a sociedade e o mundo, mudou muito o modo de ver e tratar os professores. E essa mudança tem causado uma série de aspectos negativos na vida, no trabalho e na saúde docente. A opressão e o desrespeito vêm produzindo a desistência e o enfraquecimento desse campo profissional.
            Wanderley Codo deixa isso bem claro em sua pesquisa – “Síndrome do Burnout”, quando afirma que os professores estão perdendo a vontade, o desejo, o ânimo para continuar na profissão e muitos deles, ao invés de freqüentar as escolas, passam a freqüentar hospitais e clínicas psiquiátricas para tratamentos de depressão, medo e traumas do que sofrem nos espaços escolares. Será que é isso que queremos para nossa sociedade? Será que é assim que devemos agir com as pessoas que se dedicam no trabalho de formação de nossas crianças? Todos nós queremos mudanças. Queremos uma sociedade mais justa, um mundo melhor, uma cidade com qualidade e condições de vida digna, uma escola séria com um trabalho docente sério, mas parece que nos esquecemos de querer que as pessoas, os sujeitos que lidam com a educação – em específico, os professores, sejam tratados com respeito, com valor e com seriedade. Seria muito bom se um dia, desses muitos dias de luta dos professores por salários dignos e condições justas de trabalho, a sociedade, a comunidade, a população que tanto reclama, os ajudassem em suas causas e exigissem dos nossos governantes, lado a lado, os seus direitos.
            A gravidade da greve não é a ausência dos professores em sala de aula. Até com a greve se deve ensinar e aprender o que é cidadania, o que é democracia e o que é o direito a ter direitos. Ela mostra o quanto a sociedade está vivendo uma normose, um estado de letargia. A greve mostra a paralisia sociocultural que atinge a todos, principalmente quem prefere cruzar os braços e ver de camarote o esforço dos poucos docentes que resistem e insistem em suas crenças e lutas, ou aqueles que continuam agindo na lógica da opressão, inibindo, coagindo e desqualificando os profissionais. O dia em que o país parar e a sociedade toda se mobilizar por qualidade na educação, talvez as coisas comecem a mudar. Infelizmente as gerações atuais ainda são aquelas vitimas do medo, da repressão e da opressão. Não está na hora de uma reação?

Pós-escrito

Esse texto colocado no blog em que discuto algumas questões sobre Barra Velha é em sentido de dizer que estou junto e apoio os colegas professores que persistem em lutar pela vida e pelo trabalho com qualidade. Respeito os professores que estão atuando normalmente, mas nesse momento, abraço a causa daqueles que tentam fazer com que suas vozes sejam ouvidas.  

segunda-feira, 9 de maio de 2011

BARRA VELHA E QUALIFICAÇÃO DA VIDA: DESAFIOS DE UMA EDUCAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA E ASSISTENCIALISTA




“[...] Para mudar essa situação, na linha de uma gestão pública responsável e honesta quanto às várias dimensões do agir político, que você bem menciona, é necessário uma outra Educação, formal e não-formal [...] Portanto, urge a Educação mudar seu enfoque educacional, para formar as presentes e novas gerações a assumirem as lideranças futuras. Isso demanda que a Educação supere o discurso hegemônico, que postula a simples transmissão de conhecimentos sem problematizações [...] Precisamos de uma outra Educação que ajude as pessoas a serem atuantes em suas comunidades, visando à qualificação humana de seus lugares de moradia - isso significa participar dos espaços de decisão, exigindo condições de igualdade participativa nos bens e benefícios de cada comunidade, inclusive sob o ponto de vista socioambiental”. Contribuições de Careiro ao blog.


            “Leitinho, pãozinho e “santinho[1]” – proposta que continua a sustentar uma educação voltada à formação de massa de manobra. Tal qual o programa de formação técnica para “os pobres”, anunciado pelo programa governamental de Dilma[2], segue o programa leite e pão do governo barravelhense. A escola se torna palco de exposição da pobreza. Falta pão, falta leite, falta vaga para os pobres, façamos os programas e os coloquemos em evidência. Mais hegemônico[3] do que isso, só dois disso. Aliás, há muito mais. Famigerados programas que, ao invés de qualificarem a vida das pessoas, as oprimem colocando suas tarjas visíveis para alguns, invisíveis para outros – “Sou pobre, preciso de pão e leite e de vagas nas escolas técnicas, pois minha condição social não me coloca no páreo”. E assim, ano após ano a burguesia e a aristocracia capitalista e a enfadonha política da compensação e do assistencialismo vem tratando homens e mulheres, jovens e crianças nesse país. Isso é regra nas grandes e pequenas cidades.
            Barra Velha, assim se mostra com o programa “Leite e Pão Amigo”. Está estampado para quem quiser ver e ler no cartão ou na figura que ilustra o programa – “Leite e pão formando cidadão”. Escola e educação escolar estão aí, lado a lado com o hegemônico poder público. Ação que revolta e nos faz perguntar: a escola não deveria ser espaço de libertação dos homens? Com ela e por meio dela, a educação escolar não deveria lhes ajudar, em sendo homens livres, libertar a sociedade da opressão? Parece que voltamos no tempo. Desde quando pão e leite formam um cidadão? Que cidadania é essa que estão querendo formar? Aquela que se cala e se vende em tempos eleitoreiros?
            Se as condições de vida da população local fossem mais qualificadas – trabalho, segurança, saúde, saneamento básico; se a população dita necessitada e que precisa desses programas recebesse propostas de emprego, de colocação no mercado e no mundo do trabalho, seja formal ou informal, nas associações, etc. talvez as crianças não precisassem de pão e leite sendo distribuídos na escola e a escola, por sua vez, ocuparia seu precioso tempo e espaços em lhes garantir educação de qualidade, formação de suas competências e habilidades, desenvolvimento de sua cognição e de suas atitudes e valores. A escola os ajudaria a se perguntarem sobre esses programas e como, de fato, eles os ajudariam a ser melhores, a superar suas realidades de vida.
            Cabe destacar, nesse contexto a seguinte ideia encontrada no site da prefeitura municipal: “Os alunos da rede municipal de ensino também ganharão adesivos com o logotipo do programa, panfleto para os pais entenderem os objetivos do projeto e ainda o chamado “toy art”, um bonequinho em papel que será recortado e montado pelos estudantes como proposta pedagógica de fixação da marca” “Leite Pão Amigo[4]”. Usar ilustrações do programa como proposta pedagógica? Que proposta é essa? O que se entende, nesse contexto por uma proposta pedagógica voltada à formação de cidadãos? Esse é um exemplo claro de uma prática pedagógica e de uma estrutura educativa hegemônica, voltada à transmissão, repetição e reprodução do status quo
            Essa não é a finalidade para a qual a escola está na sociedade enquanto práxis cultural. Dá-se o pão e o leite na escola, mas a realidade em casa continua a mesma. Pais desempregados, casas sem as mínimas condições de habitar, saneamento básico insuficiente, saúde irregular etc. Formar cidadania no pleno sentido da palavra implica em levar os sujeitos – alunos, professores e comunidade a se engajarem na transformação social a partir de propostas pautadas na realidade de suas vidas, de empreendimentos e projetos que modifiquem, não só a vida das pessoas, mas também o contexto social onde vivem; a face da cidade, o modo como poderão se dirigir à escola e ao mundo. Talvez seja preciso se perguntar: qual o real papel da escola?
            Abrir-se à sociedade não significa gerar dependentes sociais e sujeitos a-críticos, marionetes nas mãos de quem detêm o capital. Se o programa tem uma função e se volta a crianças com problemas nutricionais, que se use o espaço da Secretaria da Ação Social para isso, mas não a escola. Não compete à escola esse trabalho. Ela pode sim, fornecer dados, auxiliar as demais secretarias, contribuir no mapeamento das dificuldades socioeconômicas da população, mas ela não é e não pode ser lócus dessas práticas. Escola é escola e educação escolar é educação escolar. Seu desafio está e deverá estar voltado a contribuir na formação de pessoas atuantes e mobilizadas com as necessidades de sua terra, sua pátria, seu lugar de moradia.
            A escola é espaço da formação de mentalidades contra-hegemônicas, capazes de criar outra cultura, outros modos de viver que sejam menos excludentes, é ainda, espaço para a formação de novas mentalidades na política, na gestão, na atuação pública em sentido de romper com esse jogo de clientelismo, do favoritismo. Nesta e em outras administrações isso já se tornou um hábito que causa revolta porque é com "pão e circo" - nesse caso, pão e leite - que se compra votos nessa cidade e em muitas outras cidades do Brasil. Pierre Bourdieu ajuda a entender bem isso que pode ser caracterizado como a prática da reprodução social, a violência simbólica agindo no imaginário social. É o que acontece, é o que se repete. É a forma da pseudoprática política instalada nos contextos de vida e que começam a se reproduzir desde a mais tenra idade.
            Nossas crianças e jovens, ao estarem nos espaços escolares, merecem e devem ser tratados como gente que tem potencial e, caso precisem de ajuda, que se somem esforços em outras instâncias, cabendo a cada uma delas fazer o que lhes compete. A criança ou o jovem vai para a escola não para ser taxado de pobre, de incapaz, de incompetente, de necessitado social etc., vai-se a escola para ser mais feliz por estar aprendendo a ser, verdadeiramente, cidadão. Isso causa indignação.
            Minha condição de pobre nunca me impediu de estudar ou de lutar por melhores condições de vida para mim e minha família. Não foi essa a escola que eu encontrei ao longo de minha formação primária e secundária em Barra Velha e nem agiram assim os professores e diretores que aprendi a admirar por me ensinarem a ver o mundo a partir de nossas óticas; a defender a vida e sua qualificação a partir de nossas crenças e sonhos.
            Para não finalizar, trago as palavras de Paulo Freire[5], que tanto me ajuda a ampliar o olhar sobre o que podemos fazer quando acreditamos que nossos sonhos são lindas possibilidades e, para mim, escola é isso - espaço de lindas possibilidades, não espaço de inculcação ideológica, de hegemonias e exposição das condições de vida dos sujeitos.


“O que não é porém possível é sequer pensar em transformar o mundo sem sonho, sem utopia ou sem projeto. [...] A transformação do mundo necessita tanto do sonho quanto a indispensável autenticidade deste depende da lealdade de quem sonha às condições históricas, materiais, aos níveis de desenvolvimento tecnológico, científico do contexto do sonhador. Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta. Na verdade, a transformação do mundo a que o sonho aspira é um ato político e seria uma ingenuidade não reconhecer que os sonhos têm seus contra-sonhos. [...] A luta ideológica, política, pedagógica e ética a lhe ser dada por quem se posiciona numa opção progressista não escolhe lugar nem hora. Tanto se verifica em casa, nas relações pais, mães, filhos, filhas, quanto na escola, não importa o seu grau, ou nas relações de trabalho.” (FREIRE, 2000, p. 54-55).

            Pão e leite formando cidadãos é, para mim, um contra-sonho do que seja o que sonho enquanto escola possível para bem qualificar e educar as crianças e os jovens deste país e dessa cidade que nos pertence. Volto A Paulo Freire:

“Não posso aceitar como tática do bom combate a política do quanto pior melhor, mas não posso também aceitar, impassível, a política assistencialista que, anestesiando a consciência oprimida, prorroga, sine die, a necessária mudança da sociedade. Não posso proibir que os oprimidos com quem trabalho numa favela votem em candidatos reacionários, mas tenho o dever de adverti-los do erro que cometem. Da contradição em que se emaranham. Votar no político reacionário é ajudar a preservação do status quo” (FREIRE, 2000, p. 82).

          Talvez, enquanto sonho-possível para a educação escolar, devessem se projetar tempos-espaços de formação de pequenos e jovens políticos, a exemplo do que acontece em Portugal, nos plenários juvenis. Nossas crianças aprenderiam, desde cedo, a fazer política e desenvolver projetos pautados numa ética social e voltados à construção de outras formas de convivência e respeito à vida dos habitantes nos mais diferentes lugares. E, comprometidos com suas projeções e práticas, entenderiam que escola é lugar para se aprender a cuidar da vida e valorizá-la. Não é espaço para práticas opressoras. Se isso se coloca como sonho e como luta, a exemplo de Freire, Gandhi, Madre Teresa, Nelson Mandela, Darci Ribeiro, Anísio Teixeira e tanto outros, continuarei acreditando que essa luta é possível e esse sonho pode e deve ser realidade.  

NOGUEIRA, Valdir.


[1] Fonte: Portal Barravelhense. Acesso em 08 de maio de 2011.

[2] Pronatec (Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica). O discurso em rede nacional é este - Programas que beneficiarão tanto os mais pobres como os filhos da classe média que cresce vigorosa em nosso país. São iniciativas que demonstram o compromisso especial que nosso governo tem com os pobres e com a classe média. Com os pobres, para garantir que subam na vida; com a classe média, para garantir que seu padrão de vida melhore ainda mais. Disponível em www.conversaafiada.com.br – acesso em 08 de maio de 2011.

[3] Souza (2005) “A hegemonia é constituída por um bloco de alianças que representa uma base de consentimento para a ordem social definida. Entretanto, quando os setores da sociedade não se identificam com os apontamentos da hegemonia estabelecida, eles manifestam sua contrariedade e reivindicam novas atitudes e posicionamentos tanto do poder público, quanto da sociedade civil”. Nessa direção, Williams (1979, p. 113) apud Souza, explicita as ideias de hegemonia em Gramsci (1995), afirmando que: “A hegemonia é então não apenas o nível articulado superior de ‘ideologia’, nem são as suas formas de controle apenas as vistas habitualmente como ‘manipulação’ ou ‘dominação’. É todo um conjunto de práticas e expectativas, sobre a totalidade da vida: nossos sentidos e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmos e nosso mundo. É um sistema vivido de significados e valores –constitutivo e constituidor– que, ao serem experimentados como prática, parecem confirmar-se reciprocamente. Constitui assim um senso da realidade para a maioria das pessoas na sociedade, um senso de realidade absoluta, porque experimentada, e além da qual é muito difícil para a maioria dos membros da sociedade movimentar-se, na maioria das áreas da sua vida”. Nesse sentido, para Souza, conforme o que discute Gramsci, “[...] a hegemonia seria a direção moral e intelectual de uma sociedade, onde a dominação “física” e corpórea é auxiliada pela instauração do consenso. O poder de coesão, conectado ao consenso, constituiria o predomínio de uma visão social de mundo e de convívio social.  O espaço da hegemonia é a sociedade civil, em que os chamados “aparelhos privados de hegemonia” são os responsáveis pela disseminação do pensamento dominante (COUTINHO, 1999). Cf. SOUZA, Rafael Rodrigues de. A mídia como aparelho privado de hegemonia. Disponivel em www.faac.unesp.br – acesso em 08 de maio de 2011.

[4] Disponível em: www.barravelha.sc.gov.br – acesso em 08 de maio de 2011.

[5] FREIRE, Paulo. Pedagogia da indgnação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.