Fonte: Do Autor
OS LUGARES SEGREGADOS
E OS DESAFIOS AOS CANDIDATOS: BARRA VELHA EM TEMPOS DE ELEIÇÕES
“Reafirmar o direito à cidade é uma maneira de
contraposição à organização dominante da sociedade atual, que quer se
autodenominar “globalizada”, ressaltando uma tendência de homogeneização de
seus espaços. A defesa do direito à cidade para todos os seus habitantes parte
do entendimento de que a produção de seu espaço é feita com a participação
desses habitantes, obedecendo a suas particularidades e diferenças. Trata-se de
defender a necessidade de uma cidade com gestão democrática, que busca mediar
interesses e ações de uma ordem socioeconômica mais geral com os interesses e
ações mais imediatas e elementares, nem por isso menos importantes para a vida
humana, do cotidiano de seus moradores” (CAVALCANTI, 2008, p.83)
Como os candidatos em processo de
eleição, seja para a ocupação do cargo de Prefeito, ou para a ocupação das
vagas na Câmara de Vereadores, tratarão ou pretendem tratar os espaços de
segregação produzidos na cidade e em outros lugares do município de Barra
Velha? Como esses espaços aparecem em seus projetos ou propostas de campanha? Serão estes lugares segregados, espaços para promessas
eleitoreiras e para o esquecimento, ou entrarão na pauta como territórios
prioritários de cuidados e de qualificação? Qual o projeto de desenvolvimento
para os espaços urbanos (bairros, entorno, praças, ruas, campo etc.) no projeto
dos candidatos à Prefeitura e à Câmara de Vereadores? É nessa direção que
pretendo levantar alguns pontos de discussão nesse tempo de campanha
político-partidária.
Algumas discussões de outrora sobre
os acontecimentos últimos da cidade e do município, em geral, já se deram por
esgotadas. Precisamos é pensar o que vem pela frente, com os pés firmes no
presente, na tentativa de evitar erros futuros, já cometidos num passado não
muito distante – talvez, no ontem.
Assim, pensemos Barra Velha, nosso lugar comum; nosso princípio de
sociedade-mundo como propõe Morin (Et. al.
2007).
Para percorrer esse caminho de
reflexões, me sustentarei nas discussões de Cavalcanti (2008), que apresenta
aspectos importantes das relações entre produção do espaço urbano e educação.
Diga-se, uma educação para a cidadania e para a cidade. Ainda, nesse sentido,
irei apresentar fotografias de minha autoria, que retratam alguns desses
espaços “segregados” no contexto da cidade de Barra Velha e, que, no meu
entender, requerem um olhar atento e exigente de toda a população e, em
específico, dos candidatos aos cargos públicos.
Como escreve Cavalcanti, “As cidades
são hoje locais complexos, [...] são expressão da complexidade e da diversidade
da experiência humana, da história humana”; são espaços-tempos de existência da
diversidade humana que expressam, em sentido amplo, a riqueza cultural do povo
que habitam esses espaços – dos mais próximos aos mais distantes: bairros e
ruas, becos, morros, vilas, entornos e adjacências da relação centro-periferia
e, ainda, destas com o campo; com as áreas agricultáveis e de onde surgem as
forças da produção agrícola e hortifrutigranjeira de um município.
As cidades são a força do povo e,
destes, resultam as forças das cidades. Por isso, questiono: como essas
relações de forças têm configurado os discursos e as proposições dos futuros
ocupantes dos cargos públicos na Prefeitura e na Câmara Municipal de Barra
Velha? Para ajudar a pensar nesse questionamento, vou a outro ponto levantado
por Cavalcanti (2008, p. 63), a partir de Lefebvre (2002, p. 68): “O urbano é o
possível [...]”.
O espaço urbano é um espaço de
possibilidades, de encontros de lógicas, de perspectivas, de intenções, de
ações e de projeções. É um recorte socioespacial que apresenta riquezas das
quais, nem sempre, toda a população de uma cidade e/ou município consegue fazer
uso ou desfrutar. Por exemplo, as praças, as ruas bem planejadas, os parques,
as avenidas sinalizadas, áreas de lazer, de cultura, de entretenimento, de
comércio, de circulação da vida e da diversidade dos modos de ser e viver.
Essas possibilidades todas, geralmente estão
disponíveis para uns poucos. Na realidade da organização socioespacial urbana,
apenas os centros são privilegiados e a periferia e seus entornos ficam à
margem. Quantas praças há nos bairros? Como elas são cuidadas? E as ruas, como
estão projetadas, planejadas, organizadas? As áreas de lazer, de encontro, de
comércios, como estão estruturadas? A segurança e a infraestrutura dessas
áreas, como estão e poderão ser mantidas, qualificadas? De que forma a
população tem participado desses espaços? Com que qualidade?
Cavalcanti (2008, p. 63) sustenta
que “[...] existe uma forte conexão entre a produção desse lugar e a cultura
das pessoas que nele vivem”. No entanto, cabe perguntar: qual tem sido o lugar
da participação das pessoas e de sua cultura no planejamento, na estruturação,
na organização e no desenvolvimento de espaços-possíveis na lógica do urbano,
no contexto da cidade de Barra Velha? O que se vê muitas vezes são ruas e casas
que se apresentam como lugares segregados, deixados de lado, abandonados à
sorte em termos infraestruturais e de valorização do potencial humano que ali
vive.
Área próxima ao centro da cidade - entorno
Fonte: Do Autor
Não é apenas abrir ruas de qualquer
forma e/ou loteamentos com desorganizadas ofertas de água e luz que as pessoas
precisam para se sentirem atendidas e valorizadas pelo que são e vivem. Faltam
calçadas, faltam praças, faltam cuidados: esgoto, saneamento básico, limpeza e
estética; faltam espaços de encontro, faltam visita e presença constante dos
governantes nesses lugares governados e/ou administrados de forma insuficiente
e pouco qualificada. É comum dar toda atenção às áreas centrais e as
periféricas ficam aguardando a bola da vez, ou seja, esperam, quem sabe, pelas
novas e próximas promessas políticas que, neste tempo, sempre se costumam
fazer.
O espaço segregado segundo sustenta
Cavalcanti (2008, 77) é um espaço: “[...] com dificuldades estruturais de
serviços básicos e de habitação, com problemas de natureza ambiental, como a
ampliação de áreas de erosão e a contaminação de águas fluviais, que se têm
agravado em decorrência dos processos de ocupação e de produção do espaço
urbano”. Em outro ponto das discussões, a autora supracitada (idem. p. 95) avança,
destacando que:
“[...] Os cruzamentos
de ruas em rotatórias sem sinalização para pedestres e a organização do
trânsito são exemplos que mostram bem o privilégio da circulação para os que
têm carro. Mesmo as calçadas, legalmente destinadas à circulação de pedestres,
encontram-se sempre cheias de carros estacionados, inclusive em estacionamentos
planejados pelos comerciantes e prestadores de serviços para atender melhor às
necessidades de seus clientes. Essa interdição tem a ver com segregação social,
com segregação urbana – segregação de lugares nos pequenos interstícios da
cidade, que ocorre por entre ruas, calçadas, lojas, prédios e outros
equipamentos urbanos; segregação de áreas inteiras, bairro inteiros
“destinados” à classe alta, “impedidos” de circulação ou de usufruto pelos
cidadãos em geral; segregação de áreas inteiras “destinadas” à classe baixa, às vezes
baixíssima, áreas essas destituídas muitas vezes até do direito de receber
serviços públicos mínimos, como correio, telefone público, entrega de objetos
de consumo (nessas áreas só circulam seus moradores, já que a “dificuldade” de
acesso e o medo da violência e da pobreza afastam as outras pessoas)”.
Estive em alguns bairros de Barra
Velha para fotografar esses espaços apontados por Cavalcanti, percebi o óbvio e
me questionei: quantos governos já passam e passarão, ainda, pela administração
pública do município, da cidade mantendo as situações encontradas, os descasos,
a reprodução da separação, da divisão entre ricos e pobres, entre bem-cuidados
e segregados? Quando a qualificação da vida e dos espaços públicos atingirá, no
geral, toda a territorialidade urbana e sua população no contexto de Barra
Velha? Quais as preocupações, de fato, com a qualidade socioambiental e de
saúde, educação, trabalho, segurança, lazer, habitação, moradia, infraestrutura
no sítio barravelhense?
Área segregada - loteamento Cohab
Fonte: Do Autor
Área com calçamento - loteamento com casas padrão
Fonte: Do Autor
Citando Villaça, Cavalcanti faz
referência às relações de classes na gestão e na organização dos espaços
públicos – o urbano e suas demandas e formas de apropriação, como segue:
“Para Villaça (1998),
a segregação é um processo por meio de quais classes e grupos sociais vão se
concentrando em determinadas regiões ou bairros da metrópole. Ou seja, as
classes sociais que podem escolher onde morar na cidade o fazem definindo
regiões a serem valorizadas – escolha que obedece a critérios objetivos (como a
busca de sítios mais favoráveis à ocupação) e subjetivos (com a seleção de
áreas tradicionais pela sua beleza ou por permitir uma determinada vista). Ao
fazerem isso, provocam a segregação daqueles que não podem escolher seu local
de moradia. A esse primeiro processo, o autor (fazendo referencias também a
outros estudiosos do tema) chama de “segregação voluntária”, ou
“auto-segregação”, enquanto ao segundo ele chama de “segregação involuntária”,
ou “dos excluídos” (CAVALCINTI, 2008, p. 111).
Barra Velha não foge à regra, ainda
que seja uma cidade pequena, ela, desde já, apresenta os problemas e os
desafios das grandes cidades. O direito à cidade e ao lugar ou lugares da e na
cidade, não podem ser apenas para alguns ou para os ditos poucos privilegiados.
Uma administração saudável e cuidadosa está voltada a atingir, em todas as
instâncias e dimensões, a totalidade de sua população e dos ambientes de vida
que foram/são construídos nas cidades. Há uma exigência que se reflete no
direito de ter direito à cidade e à participação pública com substancial
qualidade.
Muitas políticas públicas ou
pseudopolíticas, apenas carregam em si os ranços dessas segregações, dessas
fragmentações classistas e de privilégios – onde o dinheiro fala mais alto que
a vida e, o que sustentam promover volta-se somente para a melhoria disso ou
daquilo – medidas paliativas e enganosas (por isso a venda e a compra de votos
são perigosas e infracidadãs). O contrário dessas propostas é uma necessidade
urgente: práticas cidadãs de gestão e de perspectivação dos espaços públicos no
sentido de torná-los potenciais no desenvolvimento urbano integral, para todos
e voltado à sadia e feliz convivência.
Não são suficientes
os direitos a eleger e ser eleito no governo local, nem o direito à moradia ou
à educação. Necessitam-se de direitos mais complexos: a uma participação
política múltipla, ao acesso universal às tecnologias informáticas, ao salário
cidadão, à formação continuada. O direito à cidade, que, além de moradia,
inclui entorno significante, acessibilidade e visibilidade, elementos de
centralidade e monumentalidade, equipamentos e entornos qualificados, mistura
de populações e atividades (BORJA, 2003 apud
CAVALCANTI, 2008, p. 119).
Essa é uma condição e uma
necessidade fundante dos momentos-tempos políticos, nas eleições – não se trata
apenas de escolher bem os candidatos, de elegê-los por direito ao voto, mas de
pensar com eles e, a partir deles, as propostas de desenvolvimento qualificado
e sustentável de todos os espaços componentes desse mosaico entendido como
cidade e que: “[...] é, pois, um espaço multicultural, é o lugar da
co-presença, da coexistência” (CAVALCANTI, 2008, p.119).
Como defendi em minha tese de
doutorado (NOGUEIRA, 2009): A cidade é um espaço de produção e construção, de
tensões, contradições e esperança na teia da vida humana urbanizada, sob
lógicas de racionalizações diversas, sobretudo econômicas, culturais e
socioambientais. A cidade é o lugar do encontro e da produção do local no
global e do global no local. A configuração da paisagem urbana, nas
perspectivas histórica, cultural, natural, social etc., evidencia como a cidade
é organizada e vivida, enquanto um lugar de muitos outros lugares. Por isso, é
inconcebível que, no contexto urbano, na organização da cidade, se exclua os
sujeitos da participação do conjunto que é o urbano, relegando a muitos, apenas
parcelas desqualificadas e incomunicáveis da cidade.
Nessa direção, como destaca
Cavalcanti (2008, p. 145): “[...] o lugar desse cidadão é a cidade (não somente
um “pedaço” na cidade) e ela é seu território, articulado ao seu lugar,
superando assim a forma de integração social em fragmentos, para promover a
articulação entre os diferentes territórios/lugares da cidade”. Ainda, neste
sentido, chamo atenção para outro aspecto do que sustenta a autora:
O fato de não
escolherem essas áreas para moradia e de se submeterem as condições tão
adversas para a vida cotidiana não impede as pessoas que ali vivem de criar seu
próprio mundo, um mundo de afeto, um mundo de referências amigáveis, um mundo
de histórias, de práticas culturais, criando, com isso, sua identidade; ao
criar seu território, criam seu lugar. Afinal, esses moradores são pessoas
comuns, que no cotidiano tentam sobreviver, ganhar a vida; a maioria não vive a
violência e outras situações extraordinárias que são frequentemente atribuídas
a esses lugares (CAVALCANTI, 2008, p. 132).
Área afastada do centro - relação bairros-periferia
Fonte: Do Autor
Alguns dos muitos lugares do lugar
que é Barra Velha apresentam e vivem essa situação, mas como a autora afirma,
as pessoas, os habitantes desses lugares não podem sofrer preconceitos e
exclusões ou ficar à margem porque estão ou são moradores de determinadas
áreas. O que se tem que ver e analisar, nesse ponto, é o fato dessas áreas
receberem, de forma adequada e com a mesma proporção que os centros, os
cuidados que merecem: iluminação, segurança, paisagismo, projeção
arquitetônica, saneamento e ambiente tratado, entre outros aspectos.
Assim, não finalizando esta
discussão – ela abre outras possibilidades temáticas, como por exemplo, as ruas
e o lazer, mas tentando apontar algumas pistas ou provocações, segue uma
relação de enfoques que gostaria, fossem tratados pelos candidatos aos cargos
públicos do município/cidade de Barra Velha, quanto ao que diz respeito aos
espaços de segregação e à qualificação da vida das pessoas:
1.
Os
problemas de ordem social e econômica na organização desses espaços;
2.
Os
processos de urbanização e industrialização que estão associados a eles (não se
pode esquecer o papel das imobiliárias e os destinos de impostos ou as
concessões às grandes empresas);
3.
A
legislação, a jurisdição e a estrutura políticas presentes e ausentes na gestão
dessas áreas;
4.
As
relações socioambientais – não se tratam apenas de pensar os danos ambientais
naturais – morros e mais morros ou áreas verdes sendo destruídas em favor do
avanço imobiliário e da urbanização desordenada, mas sobretudo, o modo como a
vida é pensada e tratada nessas áreas;
5.
A
convivência na cidade: terrorismo, intolerância, tolerância...as praças e ruas
dominadas pelo narcotráfico, a ausência de proteção e cuidados, a
impossibilidade de ser e estar nesses espaços com segurança e com respeito ao
diverso, ao diferente, ao outro;
6.
A
violência, o preconceito, a discriminação no espaço sociocultural;
7.
As
tradições, os costumes, os grupos étnicos, os movimentos culturais presentes
nesses espaços;
8.
As
praças, as áreas de lazer, de convivência, os lugares de exercício da
cidadania, como lugares de desenvolvimento pleno dos cidadãos;
9.
O
trabalho, o comércio, os transportes, a comunicação – paradas de ônibus, oferta
de transporte público nesses lugares, redes sociais e espaços de
intercomunicação, oferta de trabalho e preocupações com a formação;
10.
A
participação, o engajamento, a democracia – direito de ir e vir, sabendo-se
respeitado, valorizado, potencializado em sendo morador/moradora de áreas
consideradas segregadas.
Um Bairro de Barra Velha - área segregada
Fonte: Do Autor
Retomo os estudos de Cavalcanti
(2008, p. 95), para afirmar com ela e os autores citados por ela que: “Se, como
diz Lefebvre (1991), a cidade é um lugar de encontro, de festa, ou, como diz
Santos (1987), é um lugar da co-presença, é de esperar que ela se abra aos seus
habitantes para que eles se manifestem, sozinhos ou em grupos, por suas ruas e
praças”.
NOGUEIRA,
Valdir.
Obs.
Esse texto não pode ser reproduzido sem a autorização do autor.
REFERÊNCIA:
CAVALCANTI,
Lana de Souza. A GEOGRAFIA ESCOLAR E A
CIDADE: Ensaios sobre o ensino de geografia para a vida urbana cotidiana.
São Paulo: Papirus, 2008.
NOGUEIRA,
Valdir. EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA E FORMAÇÃO
DA CONSCIÊNCIA ESPACIAL-CIDADÃ NO ENSINO: Sujeitos, saberes e práticas.
(Tese de Doutorado). Universidade Federal do Paraná: Curitiba, 2009. 369p.
MORIN,
Edgar; CIURANA, Emílio-Roger; MOTTA, Raúl Domingo. EDUCAR NA ERA PLANETÁRIA: O pensamento complexo como método de
aprendizagem pelo erro e incerteza humana. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2007.