sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

SEGURANÇA OU PRODUÇÃO DO MEDO?




SEGURANÇA OU PRODUÇÃO DO MEDO?



“O direito mais básico do ser humano é o viver [...]. Quando esse direito é negado, todos os outros são”. (MIGUEL ARROYO, 2012, p. 41)


            Algumas perguntas: desde quando, caminhar na praia após as 22h é considerado suspeito ou fora do horário para quem está de férias ou mesmo para os munícipes, neste período de verão? Desde quando, estacionar o carro às margens da lagoa e nas proximidades da Praça da Bíblia é motivo para ser abordado pela Polícia Civil e ser tratado como suspeito e usuário de drogas? Desde quando, áreas próximas a esta praça supracitada são consideradas ponto de tráfico e de encontro de usuários de drogas?
            Talvez a prefeitura, tal como fez nas sinalizações das ruas devesse, agora, colocar placas sinalizando turistas e munícipes dos pontos onde não se pode parar ou estacionar o carro porque é ponto onde se escondem traficantes ou usuários de drogas. Ainda pergunto: Até quando a Polícia Civil vai continuar abordando os munícipes ou civis em férias - sem lhes solicitar os documentos e logo lhes acusar de comprador de drogas? Absurdo e indigno ato de abordagem.
            Temos que acreditar que uma ronda policial preventiva e que dê segurança aos munícipes deva ser aquela que, ao fazer seu trabalho o faça com ética, responsabilidade e respeito aos moradores de Barra Velha. Logo explico a tamanha indignação que me invade. Em outro momento da história de Barra Velha, já tivemos incidentes envolvendo certa “polícia especial” que, no abuso do poder, quebrou as pernas de um morador respeitado no município, além de outros possíveis incidentes que possam ter ocorrido. A Policia, enquanto Sistema de Segurança da População deve zelar pela vida e por sua qualificação e não agir de modo contrário a isso.
            O fato – há dois anos estou morando no Rio Grande do Sul e ao longo de toda a minha vida fui e continuo sendo habitante de Barra Velha porque pertenço a esta cidade e nela estão minhas raízes. Há bom tempo, não via uma amiga professora que morou por alguns anos em Barra Velha e neste ano, por esses dias chegou à cidade. Encontramos-nos e marcamos uma caminhada na praia. Após apreciarmos as belezas do mar e as mudanças que estão acontecendo na organização da paisagem urbana da cidade e já por volta de quase uma hora da manhã a deixei em sua casa. Tão logo saí de sua residência e ao voltar para minha casa pela Praça da Bíblia, parei o carro nas margens da lagoa para fazer um xixi, estava apertado e não podia mais agüentar aquela necessidade fisiológica. Assim que retornei para o carro fui abordado por policiais civis que me fizeram algumas perguntas: Seu nome? O carro é seu? Trabalha no quê? Mora aonde? E depois de projetarem a luz da lanterna algumas vezes em meu rosto para me ver, pediram para sair do veículo. E foi aí que me veio o susto, o medo tomou conta de mim quando disseram: “Você parou o carro aqui para comprar drogas. Neste local tem um traficante que se esconde naquele lugar” apontaram o lugar onde eu havia parado para fazer meu xixi. Novamente falaram: “Se você estiver mentindo, vamos te levar agora para a delegacia, você ficará pelado e vamos fazer a revista...se você tiver comprado drogas...” (veio a ameaça).
            Fiquei apavorado e na minha mente só vinha a lembrança do que haviam feito com um dos moradores de Barra Velha, aquele que quebraram as pernas. Fui liberado sob ameaça. Eu não conseguia parar de pensar: que tipo de segurança é esta? Ao invés de me alertar, me diz que sou comprador de drogas? Enquanto eu estava no carro e dizia que era professor e que trabalhava em uma universidade tudo parecia normal, logo que saio do carro, sou tratado como usuário de drogas, como comprador ou comparsa de traficantes? O absurdo ainda se estampou de outra forma. Tirei meus documentos e ofereci ao policial para que confirmasse quem eu era, nem olhou, apenas foi me acusando. Além do deboche estampado – “Uma hora da manhã não é horário para caminhadas na praia”. Eu disse: “Estou de férias e é verão”.
            Questiono: quem vem para Barra Velha neste período deve ficar trancafiado em casa? não pode circular pelas ruas e nem andar na praia? Não pode aproveitar seu período de férias para aproveitar a cidade? Isto é segurança? É este o serviço da Polícia Civil? Espantar e assustar os moradores e turistas/veranistas? Fiquei com medo e deu vontade de abandonar a cidade. Ir para outro lugar. Como escreveu Carlos Drummond de Andrade em um de seus poemas: “E agora José? E agora eu? E agora você?” Medo de quem? Da polícia ou dos traficantes? As praças de Barra Velha não são lugares seguros? As ruas do centro estão repletas de traficantes? Fico na dúvida, pois constata-se que é arriscado estacionar o carro em algum lugar para uma urgência inesperada e ser surpreendido como fui e ser taxado de usuário ou comprador de drogas.
            Não fui levado para a delegacia para ser despido e revistado, mas fui, em público e no meu direito de ter direito à rua, despido de minha dignidade. Não adiantou afirmar minha profissão, pois para os policiais não importava, o que lhes importava naquele momento era saber se estavam diante de um usuário de drogas que havia parado seu carro para fazer a compra de papelotes ou coisas do gênero. Isto é vergonhoso e para mim, em hipótese alguma é SEGURANÇA. Pelo contrário, é PRODUÇÃO DO MEDO.
            Como posso confiar naqueles que devem fazer minha segurança e a segurança de minha família se me tratam como um marginal? Como posso confiar naqueles que devem assegurar a estadia nesta cidade se nos fazem sentir medo e revolta? Tal fato me fez lembrar de uma invasão da policia no prédio da Universidade Federal do Paraná quando eu fazia doutorado e, naquele momento, ouvir uma das minhas admiráveis professoras dizer: “A SOCIEDADE VAI FICAR MAIS SEGURA QUANDO A POLÍCIA ESTIVER NOS BANCOS ESCOLARES”. Ser abordado, indagado e vistoriado não é problema, desde que se respeite o CIDADÃO; desde que se trate a pessoa, o ser humano com dignidade. Tive minha identidade e meus documentos ignorados e, no e pelo senso comum dos policiais, fui tratado um mero comprador de drogas. Pergunto ao prefeito, vereadores e aos responsáveis pela segurança em Barra Velha: Será desta forma a segurança em Barra Velha durante o período de veraneio? É assim que seremos tratados? Como sempre tenho escrito em meu blog e onde tenho defendido a ideia de que Barra Velha é nosso lugar comum, a VIDA precisa ser QUALIFICADA e a SEGURANÇA PÚBLICA tem papel fundamental nesse processo de qualificação. Repudio todo e qualquer ato grosseiro e desrespeitoso; repudio toda forma de injustiça e de maus tratos.      
               A gestão local precisa entender mais do que nunca que administrar a cidade para o bem comum exige intersetorialidade e disto as polícias e os sistemas de segurança não podem ficar de fora. Sou cidadão e defendo uma cidadania crítica, responsável e consciente com os AMBIENTES de VIDA, por isso não pude me calar diante do ocorrido. Também precisamos de uma POLÍCIA CIDADÃ e as armas para que essa grande meta se concretize são outras. A fundamental delas é a EDUCAÇÃO.


Prof. Dr. Valdir Nogueira


REFERÊNCIA

ARROYO, Miguel G. O direito a tempos-espaços de um justo e digno viver. In. MOLL, Jaqueline. Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012.