Foto de placa no centro da Escola Parque - Brasília - DF
"Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar aqui a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a Escola Pública".
CONVERSA COM PROFESSOR ELISEU
Professor Eliseu,
Agradeço sua contribuição ao blog e também a forma como se dirigiu a minha pessoa. Sempre me
esforcei e entendo que esse esforço se reflete, hoje, no profissional que me
tornei. Na incompletude dos caminhos percorridos por mim ao longo do processo
de profissionalização (que não foram fáceis) – tornar-se professor e gestor,
porque também estou coordenador do Curso de Pedagogia da Universidade onde
trabalho, encontrei formas e construí modos de pensar e fazer Educação Escolar
em perspectivas mais abertas e fluídas, pautadas numa prática dialógica e numa
racionalidade crítica. Assim, a partir desse posicionamento é que passo a
pensar seus questionamentos e sua proposição.
1)
Teria vontade de
ver você na secretaria de educação,
com um prefeito que te escutasse e que a
educação fosse encarada como o
progresso do povo.
Esse é um ponto interessante do que você propõe
para início de conversa. Estar na Secretaria de Educação implica pensar um projeto,
uma proposta de Educação para o Município de Barra Velha que vá além das idéias
lineares de apenas fazer reformas e construções de prédios ou salas, ou ainda,
de manutenção do status quo via pseudopráticas pedagógicas e de
condução/administração dos processos educativos – o que se encontra em muitas
realidades deste país/Estado.
Há muitas perspectivas de Educação, desde aquelas
apresentadas nas políticas públicas dos governos – federal e estadual àquelas que
estão nos PPPs (Projetos Políticos Pedagógicos das escolas e nos Planos
Municipais de Educação). Políticas estas que dialogam com outras, de ordem mais
global e intersetorial e que geralmente caem no esquecimento - o que não
poderia. Não se pode pensar em uma gestão da Educação no município sem uma
análise das atuais políticas de Estado no campo educativo e, principalmente, de
um exame apurado a partir de diagnóstico consistente da realidade educativa
para a qual se pretende propor um Projeto de Educação respaldado num Projeto de
Município/Sociedade, neste caso, a realidade do município de Barra Velha.
É a realidade que dá indicadores do “o quê?”, “como?”, “para quê?”e “para quem?” pensar educação. E, ao
pensar a realidade que aponta necessidades e perspectivas, estabelecer um
diálogo consistente com o campo teórico para que se possa, de fato, propor algo
que possa alavancar e apontar direcionamentos atuais e de projeção no sistema educativo.
Recentemente voltei da Costa Rica e é muito bom
saber que as pessoas estão preocupadas, no contexto da América Latina, com a
superação dos vieses tradicionais e dos modelos quadrados e engessados nas
formas de conduzir e fazer a Educação Escolar. Paulo Freire e Anísio Teixeira
já nos mostravam isso desde os anos 30/40 e com mais força nos anos 60/70 aqui
no Brasil, mas ainda estamos tateando. Os tempos e os espaços educativos no
contexto atual são outros, por isso, outros modos de pensar e conduzir a
Educação precisam ser pensados. Para tanto, fica uma pergunta na tentativa de
responder a sua provocação: será que se
quer isso como política pública para a Educação em Barra Velha?
No trabalho que venho desenvolvendo junto ao MEC
– Programa Mais Educação e Educação Integral - formação de Professores, o que
temos visto, aprendido e pesquisado indica que é possível sim, outra proposta,
outros modos de se conduzir um sistema educativo, mas para isso é preciso que
se queira, é preciso pré-disposição público-política; é preciso um projeto
corresponsável.
Por fim, gosto muito de pensar com Edgar Morin,
que é fundamental uma reforma nos modos de pensar a Educação Escolar e a
Educação, de modo geral - o que se reflete na necessidade de entender que a
Educação é e pode ser o maior indicador de progresso de um povo, do seu
desenvolvimento qualificado. Assim, a partir destas ponderações, sigo para a
segunda provocação.
2)
A pergunta que
farei é sobre a importância da gestão
democráticanas escolas catarinenses e o
que deveríamos mudar para melhorar o espaço escolar.
Amigo professor Eliseu! Aqui temos duas frentes
de diálogo: a) a gestão democrática nas escolas e b) a melhoria do espaço
escolar. Em relação ao primeiro ponto, entendo que a gestão sempre deveria ser
democrática uma vez que estamos em um país que prega a democracia, mas ainda
pouco a vivencia. Mas já avançamos muito desde os problemas enfrentados por
nossa sociedade nos tempos de golpe militar e de uma administração pública
infeliz de estruturas dominantes que pouco queria o desenvolvimento do país e
das mentes.
No meu entender, o maior empecilho a uma atuação
democrática é o fechamento das mentes para essa proposição cidadã. Não há
desenvolvimento de um país sem o desenvolvimento das mentalidades, como não
pode haver desenvolvimento na educação se as mentes que a pensam e a
administram não passarem por um processo de reaprendizagem cidadã. Estamos
fazendo gestão nos moldes do passado ou com os resquícios dele – há mudanças,
mas são poucas e pouco visíveis em muitos contextos. As dominações, as relações
de poder, os controles e as formas de disciplinarização ainda estão muito
presentes.Claro, saíamos a pouco do domínio e do controle e ainda não
aprendemos a conviver e a viver com a liberdade e a forma de nos colocarmos de
forma compartilhada e corresponsável nos fazeres didático-pedagógicos e também,
administrativos.
Moacir Gadotti escreveu nos anos 80 sua tese de
PhD.na França, tratando da Escola Democrática e dos modelos de Gestão nesse
viés. Os pontos que ele discuteajudam a entender melhor esse caminho, mas
também a nos questionarmos sobre ele, principalmente sobre o que está implicado
numa gestão democrática: 1) a gestão financeira; 2) a gestão política; 3) a
gestão pedagógica; 4) a gestão física. Esses aspectos são fundamentais num
modelo de gestão democrático, mas este, além destes aspectos, alicerça-se numa práxis (transformação) dialógica e, como
escreveu Habermas, numa racionalidade comunicativa.
Assim, nas muitas escolas deste Estado de Santa
Catarina, governadas pelo Estado e aquelas governadas pelos municípios, a
gestão democrática é um projeto ainda em construção e urgente.Se faz
fundamental para que outros modos de operacionalizar os espaços e tempos
escolares possam surgir no sentido de superação das mentalidades e modelagens
que ainda se fecham dados os cargos comissionados, as garantias e os cabrestos
político-partidários que são impeditivos de avanços e de outras proposições.
Uma gestão democrática da escola exige:
a) estar aberto a compreender e operacionalizar o
sistema público educativo numa perspectiva orgânica – escola viva e,
socioambiental – escola como meio-espaço-tempo onde se constrói um tempo
importante da vida;
b) entender e administrar pessoas, recursos, bens
e espaços numa racionalidade comunicativa e integradora, voltada à
coparticipação e corresponsabilidade pelo que ela é e pode ser;
c) sustentar práticas de autoconhecimento (formas
de avaliação e auto avaliação) que se direcionem por perspectivas teórico-metodológicas
integrativas e multidimensionais;
d) conceber tempos-espaços e projetos de mundo,
de sociedade e de escola em redes interconexas e que se retroalimentam,
implicando em visões e entendimentos de mundo, mais sistêmicos;
e) focar-se no papel social, ético e politico da
escola e da Educação, em geral, no campo dos direitos e deveres mais
especificamente, o direito a te direitos à vida e a sua qualificação.
Entendo que a gestão democrática – o que envolve
uma comunidade político-educativapode, em princípio, sustentar-se por estes
pressupostos que definem em parte, a sua importância nos dias atuais e nas
escolas do nosso Estado.
Em relação ao segundo ponto - melhoria dos
espaços escolares acredito que isso é resultante do que ponderei no primeiro
item. No entanto, é importante comunicar que uma escola sem condições de que a
vida se desenvolva nela, não pode ser considerada escola. É qualquer outra
coisa, menos escola.
Uma escola com qualidade é um espaço de
possibilidades e onde as pessoas possam se experimentar nas suas relações com o
conhecimento e as práticas político-culturais e político-educativas que nela se
desenvolvem. Assim, se a infraestrutura falha, falha todo um projeto educativo
que se volta para a transformação da realidade e da vida das pessoas. Escola é
espaço de sonhos e de construção das possibilidades de vida, se ela não dá
condições para isto, ela está desqualificada.
Escola não pode, nos dias de hoje, ser apenas um
espaço com salas, mesas, cadeiras, quadro e giz – esse é um modelo que indica
atraso e que precisa ser superado. E se a escola, nem sequer isso tem e ainda
falta o básico, volto a dizer, é tudo, menos escola. A partir do que tentei
explicitar aqui, amigo Eliseu, vou para o outro questionamento.
3)
Você considera
justo, um vereador com apenas ensino
médio escolher a direção de uma escola sem conhecer esta realidade e não
conhecer os profissionais da educação?
Veja,
se exigimos alguns elementos fundamentais na gestão e nos modos de conceber a
escola, lhe digo que um vereador, no mínimo, deveria entender ou procurar
entender estas questões pontuadas para definir um diretor escolar. Mas, se
entendemos que cabe hoje uma gestão democrática na escola, não tem porque os
vereadores continuarem escolhendo diretores, eles deveriam sim, lutar por
eleições para direções nos espaços escolares – o que define melhor uma
democracia e uma gestão democrática e não adianta dizer que isso não funciona.
Funciona sim.
Como
escrevi antes, é que ainda não aprendemos a viver com a democracia e na
democracia, por isso, ainda impera esse discurso de que não funciona. E aqui
aparece um dos entraves a uma gestão democrática na escola. Como ela pode ser
democrática se a direção é escolhida por um vereador? Não dá. É uma escolha de
alguém e de uma dada lógica político-partidária. A escola não é espaço para se
fazer politicagem, ela é espaço da política porque a Educação é Política como
já afirmou Paulo Freire.
A
direção não pode ser vista apenas como um cargo ou ocupação política, mas como
uma representação de uma comunidade escolar e com reflexos substanciais na
sociedade. Uma direção não se compromete apenas com a escola, mas com seu
entorno e com a construção de mundos-possíveis a partir do seu modo de
administrar, de fazer a governança do espaço educativo. Por isso, entendo que é
tamanha a responsabilidade ética daquele que escolhe ou elege um diretor para
as escolas.
4)
Qual sua opinião
sobre o critério de escolaridade para
ser vereador que é ser alfabetizado.
Amigo
Eliseu! Minha mãe que é alfabetizada, mas não terminou completamente sua
escolarização inicial porque trabalhava na agricultura, sempre brinca comigo e
com os netos que ela sabe mais do que nós. De fato, sua alfabetização foi
fundante em sua vida e isto a levou a me fazer repetir o ano quando eu cursava
a primeira série porque considerava que seria mais forte, seria melhor para
mim. Veja, há uma sabedoria e uma preocupação nisto e a vejo responder muito
bem às exigências do mundo contemporâneo.
Sou
pesquisador no campo da Educação Geográfica e trabalhamos na perspectiva da
alfabetização geográfica – entendendo que é fundamental que se aprenda a ler e
a compreender o espaço habitado; a educação matemática também vem trabalhando
na perspectiva da alfabetização matemática, as ciências, na perspectiva da
alfabetização científica etc., são preocupações nos campos da alfabetização. Isto
nos faz pensar que se um vereador é bem alfabetização ele pode, por outros
meios, outras formas, avançar em seus processos formativos e, nesse contexto,
porque não, alfabetizar-se politicamente.
Talvez
o que falte é isso, um vereador que apenas tem o nível da alfabetização, passar
por um processo de alfabetização política para saber-se vereador e dar conta,
da melhor forma possível, do que lhe compete na Câmara. No entanto, se a
exigência é apenas esta e dados os avanços culturais do nosso país e também dos
níveis de educação do povo, vai do povo entender que seus representantes devem
ter outros níveis de formação e escolher aqueles que eles considerarem mais
aptos.
Tudo
isso que você coloca meu amigo, passa por uma mudança de perspectiva. Um país
mais alfabetizado, mais formado, mais culto, com outros níveis de cultura
certamente exigirá em suas leis e processos, representantes com outros níveis
de formação e de cultura. Mas isso não é a regra. Sabemos também que há muitos
vereadores que tem bons níveis de formação e pouco fazem para mudar as
realidades deste país. Ao contrário, usam o conhecimento para explorar e
corromper sistemas e pessoas.
Uma
alfabetização bem feita pode ser alicerce para muita gente, depende de como,
desde a base ela é feita. Como escreve Daniel Quin, se a nossa cultura não é
boa para a nossa época, façamos outra. Por fim, gostaria de dizer, sustentado em
Lloyd, historiador inglês, que são nossas necessidades, nossos desejos e nossas
escolhas que definirão os rumos que daremos aos espaços-lugares onde vivemos.
Por isso, a alfabetização das letras e dos números, em dado ponto, ajuda e
muito, mas não podemos ficar apenas nela, é preciso avançar para outros níveis,
quem sabe, o Letramento Político.
Se
um vereador, que apenas foi alfabetizado faz uma Escola de Governo, continua
seu processo de formação em cursos de profissionalização sobre o campo da
gestão pública, pode-se pressupor que sua alfabetização produziu sede, desejo e
vontade de avançar para além estágio primário. Isso também é questão de escolha
e de projeto de vida e de administração pública. Não nego a alfabetização como regra, mas
também não apoio a não continuidade nos processos formativos.
Há
outros níveis de compreensão do que propomos em educação que um vereador,
apenas com a alfabetização não dá conta de compreender devido os avanços
teóricos do campo, por isso, ele deve e precisa continuar sua trajetória
formativa, uma vez que se decidiu entrar na gestão pública e/ou foi escolhido
pelo povo que o elegeu.
Eliseu,
Não sei se consegui
dar algumas pistas indicadoras de respostas neste diálogo iniciado pelos seus
questionamentos e provocações, sempre saudáveis. Agradeço sua contribuição e
espero que outros possam, também, contribuir ao debate.
Abraços,
Prof. Valdir
Nogueira.