quarta-feira, 30 de maio de 2012

CONVERSA COM PROFESSOR ELISEU


Foto de placa no centro da Escola Parque - Brasília - DF

"Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar aqui a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a Escola Pública". 


CONVERSA COM PROFESSOR ELISEU

Professor Eliseu,

Agradeço sua contribuição ao blog e também a forma como se dirigiu a minha pessoa. Sempre me esforcei e entendo que esse esforço se reflete, hoje, no profissional que me tornei. Na incompletude dos caminhos percorridos por mim ao longo do processo de profissionalização (que não foram fáceis) – tornar-se professor e gestor, porque também estou coordenador do Curso de Pedagogia da Universidade onde trabalho, encontrei formas e construí modos de pensar e fazer Educação Escolar em perspectivas mais abertas e fluídas, pautadas numa prática dialógica e numa racionalidade crítica. Assim, a partir desse posicionamento é que passo a pensar seus questionamentos e sua proposição.

1)    Teria vontade de ver você na secretaria de educação, com um prefeito que te escutasse e que a educação fosse encarada como o progresso do povo.

Esse é um ponto interessante do que você propõe para início de conversa. Estar na Secretaria de Educação implica pensar um projeto, uma proposta de Educação para o Município de Barra Velha que vá além das idéias lineares de apenas fazer reformas e construções de prédios ou salas, ou ainda, de manutenção do status quo via pseudopráticas pedagógicas e de condução/administração dos processos educativos – o que se encontra em muitas realidades deste país/Estado.
Há muitas perspectivas de Educação, desde aquelas apresentadas nas políticas públicas dos governos – federal e estadual àquelas que estão nos PPPs (Projetos Políticos Pedagógicos das escolas e nos Planos Municipais de Educação). Políticas estas que dialogam com outras, de ordem mais global e intersetorial e que geralmente caem no esquecimento - o que não poderia. Não se pode pensar em uma gestão da Educação no município sem uma análise das atuais políticas de Estado no campo educativo e, principalmente, de um exame apurado a partir de diagnóstico consistente da realidade educativa para a qual se pretende propor um Projeto de Educação respaldado num Projeto de Município/Sociedade, neste caso, a realidade do município de Barra Velha.
É a realidade que dá indicadores do “o quê?”, “como?”, “para quê?”e “para quem?” pensar educação. E, ao pensar a realidade que aponta necessidades e perspectivas, estabelecer um diálogo consistente com o campo teórico para que se possa, de fato, propor algo que possa alavancar e apontar direcionamentos atuais e de projeção no sistema educativo.
Recentemente voltei da Costa Rica e é muito bom saber que as pessoas estão preocupadas, no contexto da América Latina, com a superação dos vieses tradicionais e dos modelos quadrados e engessados nas formas de conduzir e fazer a Educação Escolar. Paulo Freire e Anísio Teixeira já nos mostravam isso desde os anos 30/40 e com mais força nos anos 60/70 aqui no Brasil, mas ainda estamos tateando. Os tempos e os espaços educativos no contexto atual são outros, por isso, outros modos de pensar e conduzir a Educação precisam ser pensados. Para tanto, fica uma pergunta na tentativa de responder a sua provocação: será que se quer isso como política pública para a Educação em Barra Velha?
No trabalho que venho desenvolvendo junto ao MEC – Programa Mais Educação e Educação Integral - formação de Professores, o que temos visto, aprendido e pesquisado indica que é possível sim, outra proposta, outros modos de se conduzir um sistema educativo, mas para isso é preciso que se queira, é preciso pré-disposição público-política; é preciso um projeto corresponsável.
Por fim, gosto muito de pensar com Edgar Morin, que é fundamental uma reforma nos modos de pensar a Educação Escolar e a Educação, de modo geral - o que se reflete na necessidade de entender que a Educação é e pode ser o maior indicador de progresso de um povo, do seu desenvolvimento qualificado. Assim, a partir destas ponderações, sigo para a segunda provocação.

2)    A pergunta que farei é sobre a importância da gestão democráticanas escolas catarinenses e o que deveríamos mudar para melhorar o espaço escolar.

Amigo professor Eliseu! Aqui temos duas frentes de diálogo: a) a gestão democrática nas escolas e b) a melhoria do espaço escolar. Em relação ao primeiro ponto, entendo que a gestão sempre deveria ser democrática uma vez que estamos em um país que prega a democracia, mas ainda pouco a vivencia. Mas já avançamos muito desde os problemas enfrentados por nossa sociedade nos tempos de golpe militar e de uma administração pública infeliz de estruturas dominantes que pouco queria o desenvolvimento do país e das mentes.
No meu entender, o maior empecilho a uma atuação democrática é o fechamento das mentes para essa proposição cidadã. Não há desenvolvimento de um país sem o desenvolvimento das mentalidades, como não pode haver desenvolvimento na educação se as mentes que a pensam e a administram não passarem por um processo de reaprendizagem cidadã. Estamos fazendo gestão nos moldes do passado ou com os resquícios dele – há mudanças, mas são poucas e pouco visíveis em muitos contextos. As dominações, as relações de poder, os controles e as formas de disciplinarização ainda estão muito presentes.Claro, saíamos a pouco do domínio e do controle e ainda não aprendemos a conviver e a viver com a liberdade e a forma de nos colocarmos de forma compartilhada e corresponsável nos fazeres didático-pedagógicos e também, administrativos.
Moacir Gadotti escreveu nos anos 80 sua tese de PhD.na França, tratando da Escola Democrática e dos modelos de Gestão nesse viés. Os pontos que ele discuteajudam a entender melhor esse caminho, mas também a nos questionarmos sobre ele, principalmente sobre o que está implicado numa gestão democrática: 1) a gestão financeira; 2) a gestão política; 3) a gestão pedagógica; 4) a gestão física. Esses aspectos são fundamentais num modelo de gestão democrático, mas este, além destes aspectos, alicerça-se numa práxis (transformação) dialógica e, como escreveu Habermas, numa racionalidade comunicativa.
Assim, nas muitas escolas deste Estado de Santa Catarina, governadas pelo Estado e aquelas governadas pelos municípios, a gestão democrática é um projeto ainda em construção e urgente.Se faz fundamental para que outros modos de operacionalizar os espaços e tempos escolares possam surgir no sentido de superação das mentalidades e modelagens que ainda se fecham dados os cargos comissionados, as garantias e os cabrestos político-partidários que são impeditivos de avanços e de outras proposições. Uma gestão democrática da escola exige:

a) estar aberto a compreender e operacionalizar o sistema público educativo numa perspectiva orgânica – escola viva e, socioambiental – escola como meio-espaço-tempo onde se constrói um tempo importante da vida;
b) entender e administrar pessoas, recursos, bens e espaços numa racionalidade comunicativa e integradora, voltada à coparticipação e corresponsabilidade pelo que ela é e pode ser;
c) sustentar práticas de autoconhecimento (formas de avaliação e auto avaliação) que se direcionem por perspectivas teórico-metodológicas integrativas e multidimensionais;
d) conceber tempos-espaços e projetos de mundo, de sociedade e de escola em redes interconexas e que se retroalimentam, implicando em visões e entendimentos de mundo, mais sistêmicos;
e) focar-se no papel social, ético e politico da escola e da Educação, em geral, no campo dos direitos e deveres mais especificamente, o direito a te direitos à vida e a sua qualificação.

Entendo que a gestão democrática – o que envolve uma comunidade político-educativapode, em princípio, sustentar-se por estes pressupostos que definem em parte, a sua importância nos dias atuais e nas escolas do nosso Estado.
Em relação ao segundo ponto - melhoria dos espaços escolares acredito que isso é resultante do que ponderei no primeiro item. No entanto, é importante comunicar que uma escola sem condições de que a vida se desenvolva nela, não pode ser considerada escola. É qualquer outra coisa, menos escola.
Uma escola com qualidade é um espaço de possibilidades e onde as pessoas possam se experimentar nas suas relações com o conhecimento e as práticas político-culturais e político-educativas que nela se desenvolvem. Assim, se a infraestrutura falha, falha todo um projeto educativo que se volta para a transformação da realidade e da vida das pessoas. Escola é espaço de sonhos e de construção das possibilidades de vida, se ela não dá condições para isto, ela está desqualificada.
Escola não pode, nos dias de hoje, ser apenas um espaço com salas, mesas, cadeiras, quadro e giz – esse é um modelo que indica atraso e que precisa ser superado. E se a escola, nem sequer isso tem e ainda falta o básico, volto a dizer, é tudo, menos escola. A partir do que tentei explicitar aqui, amigo Eliseu, vou para o outro questionamento.

3)    Você considera justo, um vereador com apenas ensino médio escolher a direção de uma escola sem conhecer esta realidade e não conhecer os profissionais da educação?

Veja, se exigimos alguns elementos fundamentais na gestão e nos modos de conceber a escola, lhe digo que um vereador, no mínimo, deveria entender ou procurar entender estas questões pontuadas para definir um diretor escolar. Mas, se entendemos que cabe hoje uma gestão democrática na escola, não tem porque os vereadores continuarem escolhendo diretores, eles deveriam sim, lutar por eleições para direções nos espaços escolares – o que define melhor uma democracia e uma gestão democrática e não adianta dizer que isso não funciona. Funciona sim.
Como escrevi antes, é que ainda não aprendemos a viver com a democracia e na democracia, por isso, ainda impera esse discurso de que não funciona. E aqui aparece um dos entraves a uma gestão democrática na escola. Como ela pode ser democrática se a direção é escolhida por um vereador? Não dá. É uma escolha de alguém e de uma dada lógica político-partidária. A escola não é espaço para se fazer politicagem, ela é espaço da política porque a Educação é Política como já afirmou Paulo Freire.
A direção não pode ser vista apenas como um cargo ou ocupação política, mas como uma representação de uma comunidade escolar e com reflexos substanciais na sociedade. Uma direção não se compromete apenas com a escola, mas com seu entorno e com a construção de mundos-possíveis a partir do seu modo de administrar, de fazer a governança do espaço educativo. Por isso, entendo que é tamanha a responsabilidade ética daquele que escolhe ou elege um diretor para as escolas.

4)      Qual sua opinião sobre o critério de escolaridade para ser vereador que é ser alfabetizado.

Amigo Eliseu! Minha mãe que é alfabetizada, mas não terminou completamente sua escolarização inicial porque trabalhava na agricultura, sempre brinca comigo e com os netos que ela sabe mais do que nós. De fato, sua alfabetização foi fundante em sua vida e isto a levou a me fazer repetir o ano quando eu cursava a primeira série porque considerava que seria mais forte, seria melhor para mim. Veja, há uma sabedoria e uma preocupação nisto e a vejo responder muito bem às exigências do mundo contemporâneo.
Sou pesquisador no campo da Educação Geográfica e trabalhamos na perspectiva da alfabetização geográfica – entendendo que é fundamental que se aprenda a ler e a compreender o espaço habitado; a educação matemática também vem trabalhando na perspectiva da alfabetização matemática, as ciências, na perspectiva da alfabetização científica etc., são preocupações nos campos da alfabetização. Isto nos faz pensar que se um vereador é bem alfabetização ele pode, por outros meios, outras formas, avançar em seus processos formativos e, nesse contexto, porque não, alfabetizar-se politicamente.
Talvez o que falte é isso, um vereador que apenas tem o nível da alfabetização, passar por um processo de alfabetização política para saber-se vereador e dar conta, da melhor forma possível, do que lhe compete na Câmara. No entanto, se a exigência é apenas esta e dados os avanços culturais do nosso país e também dos níveis de educação do povo, vai do povo entender que seus representantes devem ter outros níveis de formação e escolher aqueles que eles considerarem mais aptos.
Tudo isso que você coloca meu amigo, passa por uma mudança de perspectiva. Um país mais alfabetizado, mais formado, mais culto, com outros níveis de cultura certamente exigirá em suas leis e processos, representantes com outros níveis de formação e de cultura. Mas isso não é a regra. Sabemos também que há muitos vereadores que tem bons níveis de formação e pouco fazem para mudar as realidades deste país. Ao contrário, usam o conhecimento para explorar e corromper sistemas e pessoas.
Uma alfabetização bem feita pode ser alicerce para muita gente, depende de como, desde a base ela é feita. Como escreve Daniel Quin, se a nossa cultura não é boa para a nossa época, façamos outra. Por fim, gostaria de dizer, sustentado em Lloyd, historiador inglês, que são nossas necessidades, nossos desejos e nossas escolhas que definirão os rumos que daremos aos espaços-lugares onde vivemos. Por isso, a alfabetização das letras e dos números, em dado ponto, ajuda e muito, mas não podemos ficar apenas nela, é preciso avançar para outros níveis, quem sabe, o Letramento Político.
Se um vereador, que apenas foi alfabetizado faz uma Escola de Governo, continua seu processo de formação em cursos de profissionalização sobre o campo da gestão pública, pode-se pressupor que sua alfabetização produziu sede, desejo e vontade de avançar para além estágio primário. Isso também é questão de escolha e de projeto de vida e de administração pública.  Não nego a alfabetização como regra, mas também não apoio a não continuidade nos processos formativos.
Há outros níveis de compreensão do que propomos em educação que um vereador, apenas com a alfabetização não dá conta de compreender devido os avanços teóricos do campo, por isso, ele deve e precisa continuar sua trajetória formativa, uma vez que se decidiu entrar na gestão pública e/ou foi escolhido pelo povo que o elegeu.

Eliseu,

Não sei se consegui dar algumas pistas indicadoras de respostas neste diálogo iniciado pelos seus questionamentos e provocações, sempre saudáveis. Agradeço sua contribuição e espero que outros possam, também, contribuir ao debate.

Abraços,

Prof. Valdir Nogueira. 

terça-feira, 22 de maio de 2012

A RESSACA EM BARRA VELHA E AS NOVAS-VELHAS PERGUNTAS


Fonte: Facebook Cristiano Zonta. 

A ressaca é um fenômeno belo, como bem descreveu uma amiga, no Face. Um fenômeno que nos faz pensar sobre as nossas relações com a natureza. Tudo o que fazemos, fazemos para ampliar os espaços de vida e dar melhores condições de ela se desenvolver, porém, pouco se pensa na direção de qualifica-la no sentido da não dissociação dessa intrínseca relação homem-natureza, sociedade-meio. E então, diante desse belo fenômeno natural nos perguntamos: e a natureza, aquela ali bem perto de nós e da qual nos utilizamos para sustentar a vida e ampliar os recursos econômicos, como ela fica nos nossos projetos e nas nossas metas de qualificação da vida?
Essa natureza apenas lembrada como fonte de recursos e pouco projetada como parte do que somos e do que vivemos, qual o lugar dela? É fundamental que se reaprenda a conviver, coabitar com o que é natural, com o que é próprio das dinâmicas da Terra – esse organismo vivo, essa Mãe que nos sustenta e busca um equilíbrio para tudo que já lhe foi feito. Seria bom se numa organicidade, nós os humanos pudéssemos pensar em nos desenvolvermos não apenas sob o ponto de vista dos bens que sustentam nossa vida, mas também e, principalmente, sob o ponto de vista de novas mentalidades. Novas formas de olharmos para a realidade e, a partir dela, construirmos caminhos sustentáveis e equilibrados. Caminhos que não dissociem o que somos de aonde estamos e para aonde vamos, daquilo que nos constitui e nos sustenta como vida.
A ressaca, esse belo fenômeno nos traz novas perguntas para velhos problemas; nos trás novas possibilidades de enxergarmos os erros do passado e do presente para, em tempo, no hoje, delinearmos os rumos da nossa história. Barra Velha é um lugar lindo, mas em muitos atos humanos, desarmônico. Viva a ressaca e o alvoroço nas ideias que ela tanto provoca!
 Não é de hoje que ela acontece. No passado, a ressaca já teve mais espaço para se despraiar e completar o seu ciclo, a sua ação no micro e macrocosmos. Ela tem uma função e não pode ser barrada objetivamente. Precisa ser compreendida e entendida sob o ponto de vista do que ela nos quer comunicar.
Tecnologias foram criadas e pensadas para superarmos os desafios do meio natural, mas não é a ausência delas que nos impedem de tomar outros rumos. Quem sabe, a ausência de um saber-pensar e agir a partir do que acontece seja um passo importante a ser dado. O passo de alternativas de racionalidades, projetos e possibilidades de ações prudentes sustentáveis e que respeitem as forças além das nossas forças.
Críticas ao governo atual não procedem se as mesmas não estão fundamentadas nas incoerências dos governos que já administraram Barra Velha e que também negaram os fatos e os acontecimentos naturais. O que precisamos fazer é uma sociocrítica pelos vários segmentos sociais – na economia, na política, na saúde, na educação etc. – e um posicionamento ético e corresponsável, afinal a cidade nos pertence. Ou estou enganado? Ouçamos a Ressaca, esse lindo fenômeno...

NOGUEIRA, Valdir.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

SER PROFESSOR NO PROCESSO EDUCATIVO


SER PROFESSOR NO PROCESSO EDUCATIVO:
RECORTES DE UMA PESQUISA REALIZADA EM BARRA VELHA/SC



               Entre 2001 e 2003, realizei pesquisa de Mestrado na Universidade Regional de Blumenau - FURB, com o objetivo de analisar os fatores, influências e relações que se estabelecem entre a história de vida e as ações dos professores no processo educativo. À época eu trabalhava como docente público municipal em Barra Velha e já, mesmo antes do mestrado e posterior a ele, enfrentava o que muitos professores, passados praticamente nove anos da pesquisa - quase uma década, ainda vem enfrentando no contexto atual (2012): certo mal estar, uma depreciação da carreira docente.
               Neste sentido, este texto caracteriza-se como uma síntese de alguns desses elementos influentes que ainda estão presentes no contexto sócio-educativo e que muito vem influenciando o trabalho dos docentes. Os dados levantados pela pesquisa realizada em duas escolas municipais e com quatro sujeitos-colaboradores foram mapeados e analisados à luz de um arcabouço teórico que traz como princípio epistemológico fundamental o respeito ao outro como um legitimo outro (MATURANA, 1995).
               Somos todos professores, somos seres que em comum temos uma identidade profissional: Professores do Ensino Fundamental em uma rede pública municipal de ensino. Como sou professor? Por que sou professor? Como me tornei professor? O que me faz/constitui professor? Em que ambientes sou professor? O que me realiza como professor? Quais os meus sonhos, minhas utopias? Como me sinto professor? Foram questionamentos que fiz a mim mesmo durante o processo de pesquisa e que, de certo modo, contribuíram nas reflexões da dissertação de mestrado. Por meio dos procedimentos da história oral de vida me aproximei das experiências e vivências pessoais e profissionais de três professoras que colaboraram com essa pesquisa. Junto a essas histórias de vida está a minha história, extraída como síntese do memorial que escrevi ao longo do trabalho; desse modo, fui pesquisador e pesquisado.
            Dentre os vários fatores e elementos influentes constatados pela pesquisa, alguns têm destaque nas narrativas dos professores: a) a política partidária, que consideramos como o elemento que nega o Ser Professor, e b) os baixos salários, elemento de desvalor do Ser Professor.
            As interferências político-partidárias caracterizam-se como pontos nevrálgicos no ambiente de trabalho. Os professores passaram por momentos difíceis, que causaram mudanças de comportamento, revoltas, silêncios. A política partidária fez/faz do professor objeto de manipulação. São relações de poder que neutralizam a multidimensionalidade das relações interpessoais, tolhem projetos, ideais, vidas. Neste caso, o poder é entendido como o poder das alianças político-partidárias.
            Ao tratar sobre os sistemas hierárquicos ou de poder, MATURANA (2001) afirma que não são sistemas sociais porque são sistemas de convivência constituídos sob a emoção que configura as ações de autonegação e negação do outro, na aceitação da submissão própria ou da do outro, numa dinâmica de ordem de obediência. Os sistemas sociais, ao contrário, são sistemas de convivência constituídos sob a emoção do amor, que é a emoção que constitui o espaço de ações de aceitação do outro na convivência. Segundo o autor, sistemas de convivência fundados numa emoção que não seja o amor não são sistemas sociais. Para Maturana, amor é traduzido como respeito ao outro como legítimo outro, o valor da singularidade dos modos de ser e existir do outro. Por isso, as lutas, as investidas dos professores contra poderes dominadores, excludentes e aliciadores se colocaram/colocam como lutas por fazer valer sua legitimidade de docentes; sua luta por sistemas sociais fundados no respeito e no comprometimento ético com a outreidade – o valor do outro em sociedade. Nessa direção, MATURANA (1998, p. 75), afirma que “[...] sem aceitação mútua não pode haver coincidências nos desejos, e sem coincidências nos desejos não há harmonia na convivência, nem na ação nem na razão e, portanto, não há liberdade social”.
            Essas “pressões” sobre os professores os fez/fazem silenciar, calar. E esse calar provoca mágoas, provoca tristeza. Um dos colaboradores da pesquisa afirmou:

Houve momentos de eu chegar em casa e chorar... Esse calar já provocou tudo isso. Muita mágoa mesmo, até raiva. Não raiva do outro, mas uma raiva que você internaliza e às vezes desconta no outro.” Em outro ponto enfatizou que houve momentos em que não tinha forças nem para levantar da cama, de não querer ir para o trabalho. “Já senti essa vontade, sim. Chegava de manhã e não tinha ânimo, eu que durante sete, oito anos levantava com aquela vontade de trabalhar, mesmo com o cansaço da faculdade, [...] era um cansaço morto. Era um cansaço que estava remoendo aos poucos, matando aos poucos”.

            O cansaço da desistência, do abandono. O cansaço de um ser que se vê/sente negado. Outro colaborador retratou em sua narrativa alguns aspectos em que a política partidária aparece como interventora. Para ele há uma imposição e uma falta de espaço para o professor:

Eu vejo que é do jeito que eles querem, do jeito que eles impõem e pronto. Tem pouco espaço para os professores colocarem suas idéias. Eu vejo que a influência é muito grande. Como é que posso dizer... Aí é que vão faltar palavras para mim... Impede muito, tem pessoas que são capazes, que deveriam fazer um trabalho bom e não estão fazendo por causa da política, cargos políticos”.

            Nessa direção, concordando com MATURANA (2001:165), todo sistema político coercitivo visa, explícita ou implicitamente, a reduzir a criatividade e a liberdade, especificando todas as interações sociais como o melhor meio de eliminar os seres humanos enquanto observadores, e assim atingir a permanência política injusta. Atingir a permanência da tirania e da negação humana.  Um dos respondentes considerou que:

 “A política faz parte do nosso trabalho, quando vinculada ao bem comum do cidadão. No entanto, quando passa para a politicagem ela não nos oportuniza liberdade de expressão, de reivindicação de nossos direitos. Oprime nossas ações para a mudança, para a busca de inovações. No nosso cotidiano a política partidária deixa a desejar. Não cumpre a sua filosofia: Democracia”.

            Democracia que deveria ser um “projeto comum de vida”, como defende MATURANA (1998:78), ou ainda, uma conspiração democrática – conspiração ontológica que nos confere liberdade porque se funda na confiança e no respeito mútuos – não requer um ser humano novo, requer apenas sinceridade na participação conspiratória, democrática, e tal sinceridade não é difícil se cada um de nós sabe que é efetivamente parte dessa conspiração, que estamos entrelaçados na dinâmica social da qual somos produto e produtor. Desse modo, se nessas relações não se vive a “conspiração democrática”, se não há desejos comuns, não há aceitação do professor como um legítimo outro, como alguém que tem suas verdades, saberes, há sua negação. Desconsidera-se a pessoa e o professor, desconsidera-se o humano.
            O salário é causa de desvalorização profissional. Alguns aspectos da vida pessoal dos professores ficam limitados pelos baixos salários: o lazer, a compra de livros, entre outros:

 “O professor não tem condições nem para comprar um livro, só lê se pega emprestado, ou tira xérox da parte principal. Acaba desmotivando qualquer um. A educação vai melhorar em todo o Brasil e no mundo quando o professor for mais reconhecido financeiramente”.

            Há uma necessidade de reconhecimento profissional, e este reconhecimento passa também pelo salário. O ambiente escolar é também ambiente onde se “aprende a lutar por salários mais justos, por melhores condições de trabalho” e pelo reconhecimento profissional.
         Percebi, por meio das narrativas dos colaboradores, que as relações no ambiente de trabalho são relações de negação do outro e de si mesmo quando centradas na desconfiança, no individualismo e no negativismo; são relações de aceitação do outro quando a cooperação, a compreensão, os objetivos comuns, as práticas solidárias e o respeito se colocam como valores orientadores das ações e interrelações sociopoliticas e socioeducativas. 
               Conforme posicionou-se um dos informantes da pesquisa: “dá a impressão de que o professor não serve mais, eu fico triste com isso. É a base”. Para nossos narradores, o professor está sendo deixado de lado, está ficando sem importância. “Por que não valorizar o professor, a nossa profissão? Antes havia um respeito pelo professor, mas agora é tão normal...”  A professora narrou que infelizmente está com a visão de que “o professor é um coitado”. Outro informante afirma que não perdeu a esperança, mas se coloca: “não sei se esse professor já perdeu a esperança também...” Essa percepção sobre o professor pode estar sendo influenciada pelo que vivem os professores no seu contexto de trabalho e, nesse sentido, salientam e questionam: “se não melhorar a perspectiva do professor, o que será de nós, professores?”.   
         Segundo uma das narrativas, “a educação pode melhorar se começarem a olhar de outra maneira para o professor”, e esse olhar começa por nós. A responsabilidade de um outro olhar sobre o professor é de todos. Essa profissão é o que há de mais comum entre nós e se desfazemos, desprezamos, negamos aos outros que dela também fazem parte, estamos negando a nós mesmos. 
         O professor foi forjado, tornou-se professor. Percorreu uma trajetória para ser professor. Alguns são professores porque brincaram de ser professor na infância, porque ajudaram colegas nas lições de casa. Outros porque os pais queriam que fossem professores. Era sonho do pai ou da mãe e/ou até mesmo por não haver outra opção para o curso universitário, ou porque o ensino médio foi o magistério, e então tornaram-se professores. Alguns são professores porque esta profissão os identifica. Entre tantos outros professores, alguns são professores porque gostam de discutir, conversar, dialogar, porque há um envolvimento com a comunidade onde estão inseridos, com a sociedade.
            Esse ser humano aspira e deseja ter uma vida digna, ser reconhecido como pessoa que faz a história junto com os demais. Anseia por tempo para ler, estudar. Por espaço para discutir suas idéias. O professor anseia por condições materiais para desenvolver seu trabalho, quer apoio. Todo professor aspira à liberdade de expressão política, deseja trabalhar em ambientes saudáveis onde possa conviver e viver com dignidade, respeito, cooperação, aceitação de suas diferenças culturais, raciais, enfim, como professor deseja afirmar sua identidade, o que é e como é, seu SER, sua HUMANIDADE. É importante conferir ao professor o direito à liberdade de pensamento, de sentimentos; o direito de expressar sua personalidade, seus gostos, seus ideais, projetos. É importante não negar suas potencialidades: de afeto, de projeto, de conhecer, fazer.
            Diante do recorte da pesquisa, explicitado neste blog, pergunto às autoridades e aos futuros candidatos à governança municipal: COM QUAL ENTENDIMENTO DE DOCÊNCIA CONSTRUIRÃO SUAS PROPOSTAS POLÍTICO-PARTIDÁRIAS PARA CONCORRER ÀS ELEIÇÕES?

NOGUEIRA, Valdir
DbNog. B