Tenho realizado estudos no campo da Geografia que remetem a discussões acerca do valor e da força do lugar. Como destaca Milton Santos (2004, p. 152), um dos mais renomados geógrafos brasileiros, o lugar “[...] é, antes de tudo, uma porção da face da terra identificada por um nome. Aquilo que torna o ‘lugar’ específico é um objeto material ou um corpo. Uma análise simples mostra que um ‘lugar’ é também um grupo de ‘objetos materiais’[...]”, mas também, imateriais.
O lugar tem uma identidade, uma força que permite ao sujeito uma identificação no sentido de lugar-habitado, lugar pertencido. Assim, pertencemos e marcamos nosso modo de viver em determinado lugar pelas características que atribuímos a ele, pelo modo de vida que desenvolvemos, pelos aspectos socioeconômicos, políticos, ambientais e culturais que o estruturam, organizam e o diferenciam em contextos maiores (país, continente, mundo). É carregado de possibilidades e de interferências, uma vez que as interconexões se dão no nível macro, caracterizando conexões externas; mas também e, principalmente, no nível micro, pelas conexões internas localmente mobilizadas.
É a partir dessa mobilização de forças, que se pode pensar no potencial do lugar, mediante sujeitos-agentes, em sentido de possibilidades de mudanças no nível macro, em escala mundial e planetária. O global não existe sem o local, há uma relação de interdependência, principalmente no sentido de sociedades em rede (SANTOS, 2003, 2004, 2006; CAMARGO, 2005; MOREIRA, 2006). Para isso, é preciso que se olhe o lugar em suas especificidades e singularidades.
A figura a seguir expressa o pensamento-força do lugar, em suas interconexões com outros contextos, nas suas relações de construção de identidades singulares, na valorização das forças (poderes político, econômico, cultural, social, natural), sob o ponto de vista da participação dos sujeitos na sua e na comunidade global; das suas intervenções, pelo seu modo de vida e de condução dos sistemas sociopolítico, econômico e socioambiental; em suma, as dinâmicas processuais no universo de vida das pessoas, que habitam os lugares, que fazem de sua cultura própria também ser multicultura etc.

Essas inter-relações marcam a força do lugar e estruturam sua identidade, seu potencial. Destaca-se, nesse contexto, a força das práticas políticosociais em termos de uma sustentabilidade da vida no município - as fontes de renda: a pesca, o turismo, a cultura, as dinâmicas geradas pelo comércio, pelas características físico-sociais do lugar; pelas diferentes formas de vida do povo que constitui a sua identidade histórico-cultural. Assim, é fundamental que se pense, por exemplo, nas peculiaridades do município, naquilo que ele tem de singular, em seus diferenciais em relação a outras realidades, outras localidades. Uma gestão que se quer comprometida com o lugar, potencializa em suas estruturas, em suas políticas, em seus projetos, essa identidade singular, esse modo de ser do lugar que, embora apresente semelhanças a outras realidades, é único. E é essa unicidade que deve ser valorizada.
Uma gestão voltada ao desenvolvimento sustentável do lugar em suas dimensões sociocultural, sociopolítico, socioeconômico, requer em princípio que se valorize o potencial critico e criativo de seu povo, a participação democrática e a preparação para essa participação; requer que se potencialize o conjunto composto pela diversidade e, com ela, a multiculturalidade de modo que a diferença não seja negada na pseudo-igualdade; que busque articular os discursos e a construção de práticas socioeducativas em sentido de se fazer uma gestão democrática e dialógica, haja vista que em um sistema as partes não se negam, nem se excluem, mas são complementares. Nesse sentido, cabe destacar a importância da participação de Ongs, conselhos, entidades sociais, filantrópicas, clubes, educação formal e não-formal, internautas etc. nas decisões das políticas urbanas em sentido de se potencializar o desenvolvimento local.
Uma gestão-força do e no lugar, desenvolve processos e propostas políticas articuladas, conectadas às múltiplas redes que compõem os muitos lugares do lugar (comércios, praças, parques naturais, pontos turísticos, instituições etc.) e estes, por sua vez, devem traduzir nessas interconexões, os projetos de sociedade, de homem, de mundo, de cultura, de modo de vida que se quer desenvolver, construir no lugar. A força do lugar dá força ao sentido de se viver bem, ou do bem viver, como acontece em algumas cidades européias. Um sentido marcado pelo valor jurídico-político das formas como se pensam, projetam e praticam os atos administrativos. Assim, uma cidade com identidade própria, porque é originaria de um lugar pertencido e identificado com as marcas de povo, serve e deve servir de modelo, de base para outras realidades. Isto porque tal perspectiva de gestão, ao valorizar a força do lugar, na dimensão de um sistema, sustenta-se em um conjunto de leis e de políticas que lhe são referenciais, que lhe são suporte para que se desenvolva ao desenvolver o lugar. Um lugar onde praças, parques, construções, monumentos, espaços públicos de modo geral são preservados, conservados marca a identidade de um povo, a sua cultura, o seu modo de vida e mostra a efetividade do papel da gestão nessa realidade.
A gestão qualificada e voltada ao bem comum é uma força, mas não qualquer força. É mudança, mas não qualquer mudança. É história, mas não qualquer história. Como entender uma gestão pública nessa perspectiva? Essa força mobilizadora que encoraja as pessoas, os sujeitos-cidadãos a enfrentarem o mundo e a realidade pelo que são e como são, pelo que podem e devem ser, pelo que anseiam como projeto, como vir-a-ser.
A gestão-força é carregada de sentidos e significados. Os sentidos pessoais e os significados sociais. Essa gestão-força move, provoca, desinstala as pessoas a não se conformarem, a não se ajustarem ao que se coloca como modelo, como padrão, como norma, como único meio ou caminho, como única possibilidade de vida. Ela é força porque leva as pessoas a duvidarem, a se indagarem sobre o que se vive na realidade social, o que se propõe para tal. É uma prática social que desinstala o sujeito, que o mobiliza a sair da passividade, da letargia, do silenciamento, da posição de dependente. Ela produz responsabilidade compartilhada.
Uma gestão-força caracteriza-se pela insistência, pela persistência e pela resistência. Insistir quando se coloca que não é mais possível, quando parecem fechar portas e janelas, quando dizem que não há espaço para atuação mobilizadora, quando não se pode mais posicionar-se; o ato da insistência leva a prática da persistência. Persiste o que não desiste de ser, o que se projetou para ser, o que se sonhou ser. Persistem os projetos que tem vínculos com a vida e, por isso, se luta por eles; persistem as buscas incessantes de outros modos de vida, outras formas de se fazer e viver como prática da liberdade, como ação-transformadora, como dinâmica política.
A insistência não é alento, é força ecológica que coloca em movimento outra razão de ser dessa gestão-força, a resistência. É preciso que se saiba resistir, que se aprenda a resistir, que se lute por resistências. A resistência que marca a luta teórica, o embate criterioso, referenciado, pautado em bases científicas-cidadãs e libertárias. A resistência não se mede, mas se pratica no dia-a-dia, no cotidiano, nos espaços em que se pode e se deve agir, falar, se posicionar. Uma resistência que tem rosto, face, jeito. Que cria e perturba, que não silencia, mas enfrenta. Enfrenta até a si mesmo, aos preconceitos e as pré-concepções que neutralizam, inibem, paralisam. A gestão-força insiste, persiste e resiste, não pára, não cede, não se cala. Por isso, essa gestão-força é também, gestão-mudança. Nessa direção, algumas proposições são encaminhadas em sentido de se pensar no desenvolvimento local a partir de uma visão articulada de gestão para a sustentabilidade e qualidade da vida:
- ampliar, no contexto de Barra Velha, o entendimento e as propostas para atender às diversidades; singularidades que habitam e dão identidade ao espaço sociocultural, político e econômico do município;
- articular políticas da gestão em seus vários setores – gestão do lugar - (enquanto papel do governo municipal), de forma que se ampliem as redes de fortalecimento do lugar;
- empreender, na perspectiva sistêmica, um processo de construção de propostas gestoras vinculadas aos trabalhos desenvolvidos nos vários setores sociais que compõem a rede sociocultural, econômica, política que é Barra Velha;
- estabelecer políticas de pesquisa e avaliação que ajudem a empoderar o desenvolvimento local na linha da sustentabilidade, em sentido de se estabelecer parcerias e co-responsabilidades no tratamento do que é próprio da identidade socioambiental do município;
- estabelecer diálogos entre os diferentes níveis da realidade socioeducativa do município: Escolas Estaduais, Particulares, Ongs, Associações, entre outras, com as realidades socioculturais que dão identidade ao lugar na direção de se criar cultura de pertencimento ao lugar – Barra Velha como um lugar comum, um lugar de todos;
- desenvolver proposta de gestão pautada na ciência, no papel basilar da teoria de forma a construir referenciais criativos e democráticos, normativos e valorativos;
- projetar contextualmente, a partir de padrões de referência a qualificação dos modos de ser e viver em Barra Velha (produção de felicidade interna bruta – FIB), estabelecendo-se as relações entre o local e o global.
Essas considerações, aqui desenvolvidas, servem como justificativa e também como provocação. Mobilizar-se, mais do que um ataque pessoal ou coisa desse tipo, serve como processo de sensibilização para uma ação politicamente qualificada. É direito e dever de todo cidadão se posicionar diante do que não concorda e do que não está lhe produzindo felicidade social, cultural, política, econômica etc. A ideia lançada neste blog, parte de outras ideias já lançadas em outros blogs, outros espaços de diálogo e de democracia. Por fim, gostaria de questionar: Será que durante muito tempo não se produziu inércia ao invés de movimento nas formas de governar essa cidade? Será que não está na hora de a população tirar as vendas dos olhos e começar a se perguntar sobre o que é viver com qualidade no contexto de uma cidade que tem tudo para ser qualificada como uma cidade do bem viver, desde que se aprenda a gerir o que é público? A mobilização é um passo para a mudança e a transformação da realidade.
NOGUEIRA, Valdir.