quarta-feira, 30 de maio de 2012

CONVERSA COM PROFESSOR ELISEU


Foto de placa no centro da Escola Parque - Brasília - DF

"Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar aqui a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a Escola Pública". 


CONVERSA COM PROFESSOR ELISEU

Professor Eliseu,

Agradeço sua contribuição ao blog e também a forma como se dirigiu a minha pessoa. Sempre me esforcei e entendo que esse esforço se reflete, hoje, no profissional que me tornei. Na incompletude dos caminhos percorridos por mim ao longo do processo de profissionalização (que não foram fáceis) – tornar-se professor e gestor, porque também estou coordenador do Curso de Pedagogia da Universidade onde trabalho, encontrei formas e construí modos de pensar e fazer Educação Escolar em perspectivas mais abertas e fluídas, pautadas numa prática dialógica e numa racionalidade crítica. Assim, a partir desse posicionamento é que passo a pensar seus questionamentos e sua proposição.

1)    Teria vontade de ver você na secretaria de educação, com um prefeito que te escutasse e que a educação fosse encarada como o progresso do povo.

Esse é um ponto interessante do que você propõe para início de conversa. Estar na Secretaria de Educação implica pensar um projeto, uma proposta de Educação para o Município de Barra Velha que vá além das idéias lineares de apenas fazer reformas e construções de prédios ou salas, ou ainda, de manutenção do status quo via pseudopráticas pedagógicas e de condução/administração dos processos educativos – o que se encontra em muitas realidades deste país/Estado.
Há muitas perspectivas de Educação, desde aquelas apresentadas nas políticas públicas dos governos – federal e estadual àquelas que estão nos PPPs (Projetos Políticos Pedagógicos das escolas e nos Planos Municipais de Educação). Políticas estas que dialogam com outras, de ordem mais global e intersetorial e que geralmente caem no esquecimento - o que não poderia. Não se pode pensar em uma gestão da Educação no município sem uma análise das atuais políticas de Estado no campo educativo e, principalmente, de um exame apurado a partir de diagnóstico consistente da realidade educativa para a qual se pretende propor um Projeto de Educação respaldado num Projeto de Município/Sociedade, neste caso, a realidade do município de Barra Velha.
É a realidade que dá indicadores do “o quê?”, “como?”, “para quê?”e “para quem?” pensar educação. E, ao pensar a realidade que aponta necessidades e perspectivas, estabelecer um diálogo consistente com o campo teórico para que se possa, de fato, propor algo que possa alavancar e apontar direcionamentos atuais e de projeção no sistema educativo.
Recentemente voltei da Costa Rica e é muito bom saber que as pessoas estão preocupadas, no contexto da América Latina, com a superação dos vieses tradicionais e dos modelos quadrados e engessados nas formas de conduzir e fazer a Educação Escolar. Paulo Freire e Anísio Teixeira já nos mostravam isso desde os anos 30/40 e com mais força nos anos 60/70 aqui no Brasil, mas ainda estamos tateando. Os tempos e os espaços educativos no contexto atual são outros, por isso, outros modos de pensar e conduzir a Educação precisam ser pensados. Para tanto, fica uma pergunta na tentativa de responder a sua provocação: será que se quer isso como política pública para a Educação em Barra Velha?
No trabalho que venho desenvolvendo junto ao MEC – Programa Mais Educação e Educação Integral - formação de Professores, o que temos visto, aprendido e pesquisado indica que é possível sim, outra proposta, outros modos de se conduzir um sistema educativo, mas para isso é preciso que se queira, é preciso pré-disposição público-política; é preciso um projeto corresponsável.
Por fim, gosto muito de pensar com Edgar Morin, que é fundamental uma reforma nos modos de pensar a Educação Escolar e a Educação, de modo geral - o que se reflete na necessidade de entender que a Educação é e pode ser o maior indicador de progresso de um povo, do seu desenvolvimento qualificado. Assim, a partir destas ponderações, sigo para a segunda provocação.

2)    A pergunta que farei é sobre a importância da gestão democráticanas escolas catarinenses e o que deveríamos mudar para melhorar o espaço escolar.

Amigo professor Eliseu! Aqui temos duas frentes de diálogo: a) a gestão democrática nas escolas e b) a melhoria do espaço escolar. Em relação ao primeiro ponto, entendo que a gestão sempre deveria ser democrática uma vez que estamos em um país que prega a democracia, mas ainda pouco a vivencia. Mas já avançamos muito desde os problemas enfrentados por nossa sociedade nos tempos de golpe militar e de uma administração pública infeliz de estruturas dominantes que pouco queria o desenvolvimento do país e das mentes.
No meu entender, o maior empecilho a uma atuação democrática é o fechamento das mentes para essa proposição cidadã. Não há desenvolvimento de um país sem o desenvolvimento das mentalidades, como não pode haver desenvolvimento na educação se as mentes que a pensam e a administram não passarem por um processo de reaprendizagem cidadã. Estamos fazendo gestão nos moldes do passado ou com os resquícios dele – há mudanças, mas são poucas e pouco visíveis em muitos contextos. As dominações, as relações de poder, os controles e as formas de disciplinarização ainda estão muito presentes.Claro, saíamos a pouco do domínio e do controle e ainda não aprendemos a conviver e a viver com a liberdade e a forma de nos colocarmos de forma compartilhada e corresponsável nos fazeres didático-pedagógicos e também, administrativos.
Moacir Gadotti escreveu nos anos 80 sua tese de PhD.na França, tratando da Escola Democrática e dos modelos de Gestão nesse viés. Os pontos que ele discuteajudam a entender melhor esse caminho, mas também a nos questionarmos sobre ele, principalmente sobre o que está implicado numa gestão democrática: 1) a gestão financeira; 2) a gestão política; 3) a gestão pedagógica; 4) a gestão física. Esses aspectos são fundamentais num modelo de gestão democrático, mas este, além destes aspectos, alicerça-se numa práxis (transformação) dialógica e, como escreveu Habermas, numa racionalidade comunicativa.
Assim, nas muitas escolas deste Estado de Santa Catarina, governadas pelo Estado e aquelas governadas pelos municípios, a gestão democrática é um projeto ainda em construção e urgente.Se faz fundamental para que outros modos de operacionalizar os espaços e tempos escolares possam surgir no sentido de superação das mentalidades e modelagens que ainda se fecham dados os cargos comissionados, as garantias e os cabrestos político-partidários que são impeditivos de avanços e de outras proposições. Uma gestão democrática da escola exige:

a) estar aberto a compreender e operacionalizar o sistema público educativo numa perspectiva orgânica – escola viva e, socioambiental – escola como meio-espaço-tempo onde se constrói um tempo importante da vida;
b) entender e administrar pessoas, recursos, bens e espaços numa racionalidade comunicativa e integradora, voltada à coparticipação e corresponsabilidade pelo que ela é e pode ser;
c) sustentar práticas de autoconhecimento (formas de avaliação e auto avaliação) que se direcionem por perspectivas teórico-metodológicas integrativas e multidimensionais;
d) conceber tempos-espaços e projetos de mundo, de sociedade e de escola em redes interconexas e que se retroalimentam, implicando em visões e entendimentos de mundo, mais sistêmicos;
e) focar-se no papel social, ético e politico da escola e da Educação, em geral, no campo dos direitos e deveres mais especificamente, o direito a te direitos à vida e a sua qualificação.

Entendo que a gestão democrática – o que envolve uma comunidade político-educativapode, em princípio, sustentar-se por estes pressupostos que definem em parte, a sua importância nos dias atuais e nas escolas do nosso Estado.
Em relação ao segundo ponto - melhoria dos espaços escolares acredito que isso é resultante do que ponderei no primeiro item. No entanto, é importante comunicar que uma escola sem condições de que a vida se desenvolva nela, não pode ser considerada escola. É qualquer outra coisa, menos escola.
Uma escola com qualidade é um espaço de possibilidades e onde as pessoas possam se experimentar nas suas relações com o conhecimento e as práticas político-culturais e político-educativas que nela se desenvolvem. Assim, se a infraestrutura falha, falha todo um projeto educativo que se volta para a transformação da realidade e da vida das pessoas. Escola é espaço de sonhos e de construção das possibilidades de vida, se ela não dá condições para isto, ela está desqualificada.
Escola não pode, nos dias de hoje, ser apenas um espaço com salas, mesas, cadeiras, quadro e giz – esse é um modelo que indica atraso e que precisa ser superado. E se a escola, nem sequer isso tem e ainda falta o básico, volto a dizer, é tudo, menos escola. A partir do que tentei explicitar aqui, amigo Eliseu, vou para o outro questionamento.

3)    Você considera justo, um vereador com apenas ensino médio escolher a direção de uma escola sem conhecer esta realidade e não conhecer os profissionais da educação?

Veja, se exigimos alguns elementos fundamentais na gestão e nos modos de conceber a escola, lhe digo que um vereador, no mínimo, deveria entender ou procurar entender estas questões pontuadas para definir um diretor escolar. Mas, se entendemos que cabe hoje uma gestão democrática na escola, não tem porque os vereadores continuarem escolhendo diretores, eles deveriam sim, lutar por eleições para direções nos espaços escolares – o que define melhor uma democracia e uma gestão democrática e não adianta dizer que isso não funciona. Funciona sim.
Como escrevi antes, é que ainda não aprendemos a viver com a democracia e na democracia, por isso, ainda impera esse discurso de que não funciona. E aqui aparece um dos entraves a uma gestão democrática na escola. Como ela pode ser democrática se a direção é escolhida por um vereador? Não dá. É uma escolha de alguém e de uma dada lógica político-partidária. A escola não é espaço para se fazer politicagem, ela é espaço da política porque a Educação é Política como já afirmou Paulo Freire.
A direção não pode ser vista apenas como um cargo ou ocupação política, mas como uma representação de uma comunidade escolar e com reflexos substanciais na sociedade. Uma direção não se compromete apenas com a escola, mas com seu entorno e com a construção de mundos-possíveis a partir do seu modo de administrar, de fazer a governança do espaço educativo. Por isso, entendo que é tamanha a responsabilidade ética daquele que escolhe ou elege um diretor para as escolas.

4)      Qual sua opinião sobre o critério de escolaridade para ser vereador que é ser alfabetizado.

Amigo Eliseu! Minha mãe que é alfabetizada, mas não terminou completamente sua escolarização inicial porque trabalhava na agricultura, sempre brinca comigo e com os netos que ela sabe mais do que nós. De fato, sua alfabetização foi fundante em sua vida e isto a levou a me fazer repetir o ano quando eu cursava a primeira série porque considerava que seria mais forte, seria melhor para mim. Veja, há uma sabedoria e uma preocupação nisto e a vejo responder muito bem às exigências do mundo contemporâneo.
Sou pesquisador no campo da Educação Geográfica e trabalhamos na perspectiva da alfabetização geográfica – entendendo que é fundamental que se aprenda a ler e a compreender o espaço habitado; a educação matemática também vem trabalhando na perspectiva da alfabetização matemática, as ciências, na perspectiva da alfabetização científica etc., são preocupações nos campos da alfabetização. Isto nos faz pensar que se um vereador é bem alfabetização ele pode, por outros meios, outras formas, avançar em seus processos formativos e, nesse contexto, porque não, alfabetizar-se politicamente.
Talvez o que falte é isso, um vereador que apenas tem o nível da alfabetização, passar por um processo de alfabetização política para saber-se vereador e dar conta, da melhor forma possível, do que lhe compete na Câmara. No entanto, se a exigência é apenas esta e dados os avanços culturais do nosso país e também dos níveis de educação do povo, vai do povo entender que seus representantes devem ter outros níveis de formação e escolher aqueles que eles considerarem mais aptos.
Tudo isso que você coloca meu amigo, passa por uma mudança de perspectiva. Um país mais alfabetizado, mais formado, mais culto, com outros níveis de cultura certamente exigirá em suas leis e processos, representantes com outros níveis de formação e de cultura. Mas isso não é a regra. Sabemos também que há muitos vereadores que tem bons níveis de formação e pouco fazem para mudar as realidades deste país. Ao contrário, usam o conhecimento para explorar e corromper sistemas e pessoas.
Uma alfabetização bem feita pode ser alicerce para muita gente, depende de como, desde a base ela é feita. Como escreve Daniel Quin, se a nossa cultura não é boa para a nossa época, façamos outra. Por fim, gostaria de dizer, sustentado em Lloyd, historiador inglês, que são nossas necessidades, nossos desejos e nossas escolhas que definirão os rumos que daremos aos espaços-lugares onde vivemos. Por isso, a alfabetização das letras e dos números, em dado ponto, ajuda e muito, mas não podemos ficar apenas nela, é preciso avançar para outros níveis, quem sabe, o Letramento Político.
Se um vereador, que apenas foi alfabetizado faz uma Escola de Governo, continua seu processo de formação em cursos de profissionalização sobre o campo da gestão pública, pode-se pressupor que sua alfabetização produziu sede, desejo e vontade de avançar para além estágio primário. Isso também é questão de escolha e de projeto de vida e de administração pública.  Não nego a alfabetização como regra, mas também não apoio a não continuidade nos processos formativos.
Há outros níveis de compreensão do que propomos em educação que um vereador, apenas com a alfabetização não dá conta de compreender devido os avanços teóricos do campo, por isso, ele deve e precisa continuar sua trajetória formativa, uma vez que se decidiu entrar na gestão pública e/ou foi escolhido pelo povo que o elegeu.

Eliseu,

Não sei se consegui dar algumas pistas indicadoras de respostas neste diálogo iniciado pelos seus questionamentos e provocações, sempre saudáveis. Agradeço sua contribuição e espero que outros possam, também, contribuir ao debate.

Abraços,

Prof. Valdir Nogueira. 

4 comentários:

  1. Você toca em aspectos cruciais para entender os rumos de uma Educação de Qualidade. Para tanto, há necessidade urgente de reformas de mentalidades, especialmente dos que conduzem a Educação no País, nos Estados, nos Municípios, em todos os níveis e modalidades de ensino.
    Como acreditar num país que pretende assumir a liderança econômica entre os emergentes, com greves necessárias nos vários níveis de ensino, denunciando as más condições de trabalho (falta de docentes, infraestrutura etc.) e de vida dos profissionais de ensino? E, nesse sentido, como acreditar num país que aloca verbas insuficientes para os avanços educacionais, fazendo da Educação apenas um serviço funcional, ao invés de um direito inalienável de cada brasileiro e brasileira em ter uma educação qualificada?...

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  2. Sônia, é isso mesmo! A liderança econômica do nosso país deveria ser precedida por uma liderança nos níveis e cuidados com a Educação! Parece que a escrita de Anísio Teixeira continua sem eco nos Ministérios e no Palácio governamental. Gosto de uma pergunta lançada por Pablo Neruda no livro das perguntas: "O amarelo dos bosques é o mesmo do ano passado?". Interessante a forma como este poeta nos faz ver que tudo neste mundo está em processo de mudança/transformação...Mas parece que, em termos de Educação no Brasil, o amarelo dos bosques continua o mesmo de longas datas. Não é de hoje que professores e setores da sociedade envolvidos e comprometidos com a Educação gritam para que se mude a cor dos bosques desse sistema educacional nacional. E o pior, já estamos num amarelo desbotado que está mudando por perder a força. Deveria ser o contrário, mudar por ganhar vigor! Ou então, nossos governantes são daltônicos e não conseguem ver que os amarelos mudança, conforme muda a vida e eles precisam alavancar essas mudanças. Chega de retrocessos. Chega de país atrasado culturalmente. A faxina governamental também precisa acontecer nas mentes e nos modos de governar.

    Obrigado pelas contribuições!

    Abraços,

    Valdir

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  3. É isso Valdir, infelizmente nossa Educação, eu diria, está sem cor...é uma Educação do "faz de conta", especialmente pela falta de Qualidade, como apontamos acima. Pelos dados da ONU, há no Brasil um avanço quantitativo de entrada de alunos nas escolas, mas não um avanço qualitativo, o qual permitiria a construção da cidadania e, com isso, a democratização de oportunidades e da justiça social. Como sabemos, a Educação de Qualidade, sob o foco ontológico, é possibilitar ao sujeito-aluno "Ser Mais", conforme Paulo Freire, tornando-se consciente, isto é, presente e ativo em sua realidade-mundo. Muitos são os fatores para a desqualificação da Educação, entre os quais se destacam: o número elevado de alunos por professor, a diminuição do tempo das aulas, a precária qualificação dos docentes e, com isso, a profissionalização frágil, os baixos salários, a falta de infra-estrutura de apoio pedagógico aos professores etc. A superação desses aspectos problemáticos depende fundamentalmente de uma formação adequada dos dirigentes do sistema educacional do País em seus vários níveis escalares, assim como uma vontade política de garantir o direito à Educação de Qualidade; pois é só dessa maneira que outros direitos constitucionais poderão ser garantidos. O ponto de partida é que o direito à Educação abre a porta para outros direitos, enquanto a sua negação traz a negação de outros direitos e a perpetuação de condições de vida que não corroboram o exercício da cidadania,no rumo da "Pura Vida"-Vida-Plena!...

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  4. Havia visto o desenvolvimento do diálogo e só posso orgulhar-me de poder trocar ideias com um intelectual que admiro, suas orientações são muito pertinentes e pontuais. Eu já sou muito agressivo com as palavras, por vezes, tenho a sensação de não dever escrever sobre alguns assuntos, mas tenho a obrigação moral de combater ideologias ou aparelhos ideológicos que tanto poluem a educação e a nossa comunicação. Obrigado pelo diálogo e, se um dia puder, poderemos organizar um seminário sobre política em Barra Velha. Até mais.

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