SER PROFESSOR NO PROCESSO EDUCATIVO:
RECORTES DE UMA PESQUISA REALIZADA EM BARRA VELHA /SC
Entre 2001 e 2003, realizei pesquisa de Mestrado na
Universidade Regional de Blumenau - FURB, com o objetivo de analisar os
fatores, influências e relações que se estabelecem entre a história de vida e
as ações dos professores no processo educativo. À época eu trabalhava como
docente público municipal em
Barra Velha e já, mesmo antes do mestrado e posterior a ele,
enfrentava o que muitos professores, passados praticamente nove anos da
pesquisa - quase uma década, ainda vem enfrentando no contexto atual (2012):
certo mal estar, uma depreciação da carreira docente.
Neste sentido, este texto caracteriza-se como uma
síntese de alguns desses elementos influentes que ainda estão presentes no
contexto sócio-educativo e que muito vem influenciando o trabalho dos docentes.
Os dados levantados pela pesquisa realizada em duas escolas municipais e com
quatro sujeitos-colaboradores foram mapeados e analisados à luz de um arcabouço
teórico que traz como princípio epistemológico fundamental o respeito ao outro
como um legitimo outro (MATURANA, 1995).
Somos todos professores, somos seres que em comum
temos uma identidade profissional: Professores do Ensino Fundamental em uma
rede pública municipal de ensino. Como sou professor? Por que sou professor?
Como me tornei professor? O que me faz/constitui professor? Em que ambientes
sou professor? O que me realiza como professor? Quais os meus sonhos, minhas
utopias? Como me sinto professor? Foram questionamentos que fiz a mim mesmo
durante o processo de pesquisa e que, de certo modo, contribuíram nas reflexões
da dissertação de mestrado. Por meio dos procedimentos da história oral de vida
me aproximei das experiências e vivências pessoais e profissionais de três
professoras que colaboraram com essa pesquisa. Junto a essas histórias de vida
está a minha história, extraída como síntese do memorial que escrevi ao longo
do trabalho; desse modo, fui pesquisador e pesquisado.
Dentre
os vários fatores e elementos influentes constatados pela pesquisa, alguns têm
destaque nas narrativas dos professores: a) a política partidária, que
consideramos como o elemento que nega o Ser Professor, e b) os baixos
salários, elemento de desvalor do Ser Professor.
As interferências político-partidárias
caracterizam-se como pontos nevrálgicos no ambiente de trabalho. Os professores
passaram por momentos difíceis, que causaram mudanças de comportamento,
revoltas, silêncios. A política partidária fez/faz do professor objeto de
manipulação. São relações de poder que neutralizam a multidimensionalidade das
relações interpessoais, tolhem projetos, ideais, vidas. Neste caso, o poder é
entendido como o poder das alianças político-partidárias.
Ao
tratar sobre os sistemas hierárquicos ou de poder, MATURANA (2001) afirma que
não são sistemas sociais porque são sistemas de convivência constituídos sob a
emoção que configura as ações de autonegação e negação do outro, na aceitação
da submissão própria ou da do outro, numa dinâmica de ordem de obediência. Os
sistemas sociais, ao contrário, são sistemas de convivência constituídos sob a
emoção do amor, que é a emoção que constitui o espaço de ações de aceitação do
outro na convivência. Segundo o autor, sistemas de convivência fundados numa
emoção que não seja o amor não são sistemas sociais. Para Maturana, amor é traduzido
como respeito ao outro como legítimo outro, o valor da singularidade dos modos
de ser e existir do outro. Por isso, as lutas, as investidas dos professores
contra poderes dominadores, excludentes e aliciadores se colocaram/colocam como
lutas por fazer valer sua legitimidade de docentes; sua luta por sistemas
sociais fundados no respeito e no comprometimento ético com a outreidade – o
valor do outro em
sociedade. Nessa direção, MATURANA (1998, p. 75), afirma que
“[...] sem aceitação mútua não pode haver coincidências nos desejos, e sem
coincidências nos desejos não há harmonia na convivência, nem na ação nem na
razão e, portanto, não há liberdade social”.
Essas
“pressões” sobre os professores os fez/fazem silenciar, calar. E esse calar
provoca mágoas, provoca tristeza. Um dos colaboradores da pesquisa afirmou:
“Houve momentos de eu chegar em casa e chorar... Esse calar já provocou
tudo isso. Muita mágoa mesmo, até raiva. Não raiva do outro, mas uma raiva que
você internaliza e às vezes desconta no outro.” Em outro ponto enfatizou
que houve momentos em que não tinha forças nem para levantar da cama, de não
querer ir para o trabalho. “Já senti essa
vontade, sim. Chegava de manhã e não tinha ânimo, eu que durante sete, oito
anos levantava com aquela vontade de trabalhar, mesmo com o cansaço da
faculdade, [...] era um cansaço morto. Era um cansaço que estava remoendo aos
poucos, matando aos poucos”.
O cansaço da desistência,
do abandono. O cansaço de um ser que se vê/sente negado. Outro colaborador retratou
em sua narrativa alguns aspectos em que a política partidária aparece como
interventora. Para ele há uma imposição e uma falta de espaço para o professor:
“Eu vejo que é do jeito que eles querem, do jeito que eles impõem e
pronto. Tem pouco espaço para os professores colocarem suas idéias. Eu vejo que
a influência é muito grande. Como é que posso dizer... Aí é que vão faltar
palavras para mim... Impede muito, tem pessoas que são capazes, que deveriam
fazer um trabalho bom e não estão fazendo por causa da política, cargos
políticos”.
Nessa
direção, concordando com MATURANA (2001:165), todo sistema político coercitivo
visa, explícita ou implicitamente, a reduzir a criatividade e a liberdade,
especificando todas as interações sociais como o melhor meio de eliminar os
seres humanos enquanto observadores, e assim atingir a permanência política
injusta. Atingir a permanência da tirania e da negação humana. Um dos respondentes considerou que:
“A política faz parte
do nosso trabalho, quando vinculada ao bem comum do cidadão. No entanto, quando
passa para a politicagem ela não nos oportuniza liberdade de expressão, de
reivindicação de nossos direitos. Oprime nossas ações para a mudança, para a
busca de inovações. No nosso cotidiano a política partidária deixa a desejar.
Não cumpre a sua filosofia: Democracia”.
Democracia
que deveria ser um “projeto comum de vida”, como defende MATURANA (1998:78), ou
ainda, uma conspiração democrática – conspiração ontológica que nos confere
liberdade porque se funda na confiança e no respeito mútuos – não requer um ser
humano novo, requer apenas sinceridade na participação conspiratória,
democrática, e tal sinceridade não é difícil se cada um de nós sabe que é
efetivamente parte dessa conspiração, que estamos entrelaçados na dinâmica
social da qual somos produto e produtor. Desse modo, se nessas relações não se
vive a “conspiração democrática”, se não há desejos comuns, não há aceitação do
professor como um legítimo outro, como alguém que tem suas verdades, saberes,
há sua negação. Desconsidera-se a pessoa e o professor, desconsidera-se o
humano.
O salário é causa de desvalorização
profissional. Alguns aspectos da vida pessoal dos professores ficam limitados
pelos baixos salários: o lazer, a compra de livros, entre outros:
“O
professor não tem condições nem para comprar um livro, só lê se pega
emprestado, ou tira xérox da parte principal. Acaba desmotivando qualquer um. A
educação vai melhorar em todo o Brasil e no mundo quando o professor for mais
reconhecido financeiramente”.
Há
uma necessidade de reconhecimento profissional, e este reconhecimento passa
também pelo salário. O ambiente escolar é também ambiente onde se “aprende a lutar por salários mais justos,
por melhores condições de trabalho” e pelo reconhecimento profissional.
Percebi, por meio das narrativas dos
colaboradores, que as relações no
ambiente de trabalho são relações de negação do outro e de si mesmo quando
centradas na desconfiança, no individualismo e no negativismo; são relações de
aceitação do outro quando a cooperação, a compreensão, os objetivos comuns, as
práticas solidárias e o respeito se colocam como valores orientadores das ações
e interrelações sociopoliticas e socioeducativas.
Conforme posicionou-se um dos informantes
da pesquisa: “dá a impressão de que o
professor não serve mais, eu fico triste com isso. É a base”. Para nossos
narradores, o professor está sendo deixado de lado, está ficando sem
importância. “Por que não valorizar o
professor, a nossa profissão? Antes havia um respeito pelo professor, mas agora
é tão normal...” A professora narrou
que infelizmente está com a visão de que “o
professor é um coitado”. Outro informante afirma que não perdeu a
esperança, mas se coloca: “não sei se esse
professor já perdeu a esperança também...” Essa percepção sobre o professor
pode estar sendo influenciada pelo que vivem os professores no seu contexto de
trabalho e, nesse sentido, salientam e questionam: “se não melhorar a perspectiva do professor, o que será de nós, professores?”.
Segundo uma das narrativas, “a educação pode melhorar se começarem a
olhar de outra maneira para o professor”, e esse olhar começa por nós. A
responsabilidade de um outro olhar sobre o professor é de todos. Essa profissão
é o que há de mais comum entre nós e se desfazemos, desprezamos, negamos aos
outros que dela também fazem parte, estamos negando a nós mesmos.
O professor foi forjado, tornou-se
professor. Percorreu uma trajetória para ser professor. Alguns são professores
porque brincaram de ser professor na infância, porque ajudaram colegas nas
lições de casa. Outros porque os pais queriam que fossem professores. Era sonho
do pai ou da mãe e/ou até mesmo por não haver outra opção para o curso
universitário, ou porque o ensino médio foi o magistério, e então tornaram-se
professores. Alguns são professores porque esta profissão os identifica. Entre
tantos outros professores, alguns são professores porque gostam de discutir,
conversar, dialogar, porque há um envolvimento com a comunidade onde estão
inseridos, com a sociedade.
Esse
ser humano aspira e deseja ter uma vida digna, ser reconhecido como pessoa que
faz a história junto com os demais. Anseia por tempo para ler, estudar. Por
espaço para discutir suas idéias. O professor anseia por condições materiais
para desenvolver seu trabalho, quer apoio. Todo professor aspira à liberdade de
expressão política, deseja trabalhar em ambientes saudáveis onde possa conviver
e viver com dignidade, respeito, cooperação, aceitação de suas diferenças
culturais, raciais, enfim, como professor deseja afirmar sua identidade, o que
é e como é, seu SER, sua HUMANIDADE. É importante conferir ao professor o
direito à liberdade de pensamento, de sentimentos; o direito de expressar sua
personalidade, seus gostos, seus ideais, projetos. É importante não negar suas
potencialidades: de afeto, de projeto, de conhecer, fazer.
Diante
do recorte da pesquisa, explicitado neste blog,
pergunto às autoridades e aos futuros candidatos à governança municipal: COM
QUAL ENTENDIMENTO DE DOCÊNCIA CONSTRUIRÃO SUAS PROPOSTAS POLÍTICO-PARTIDÁRIAS
PARA CONCORRER ÀS ELEIÇÕES?
NOGUEIRA,
Valdir
DbNog.
B
Tal questionamento pode ser extendido ao governo de modo geral, ou seja, qual o entendimento de docência por parte dos nossos governantes? Está sendo novamente deflagrada uma greve, nas universidades públicas federais, pelo desrespeito do governo em relação à dignidade da vida dos docentes!
ResponderExcluirPor isso, Sônia, entendo e defendo que no momento em que o Brasil, a sociedade brasileira parar e entender o sentido da Educação,se fortalecerão as lutas dos docentes. Se a Educação parar neste país, alguma coisa tem que acontecer.
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