segunda-feira, 14 de maio de 2012

SER PROFESSOR NO PROCESSO EDUCATIVO


SER PROFESSOR NO PROCESSO EDUCATIVO:
RECORTES DE UMA PESQUISA REALIZADA EM BARRA VELHA/SC



               Entre 2001 e 2003, realizei pesquisa de Mestrado na Universidade Regional de Blumenau - FURB, com o objetivo de analisar os fatores, influências e relações que se estabelecem entre a história de vida e as ações dos professores no processo educativo. À época eu trabalhava como docente público municipal em Barra Velha e já, mesmo antes do mestrado e posterior a ele, enfrentava o que muitos professores, passados praticamente nove anos da pesquisa - quase uma década, ainda vem enfrentando no contexto atual (2012): certo mal estar, uma depreciação da carreira docente.
               Neste sentido, este texto caracteriza-se como uma síntese de alguns desses elementos influentes que ainda estão presentes no contexto sócio-educativo e que muito vem influenciando o trabalho dos docentes. Os dados levantados pela pesquisa realizada em duas escolas municipais e com quatro sujeitos-colaboradores foram mapeados e analisados à luz de um arcabouço teórico que traz como princípio epistemológico fundamental o respeito ao outro como um legitimo outro (MATURANA, 1995).
               Somos todos professores, somos seres que em comum temos uma identidade profissional: Professores do Ensino Fundamental em uma rede pública municipal de ensino. Como sou professor? Por que sou professor? Como me tornei professor? O que me faz/constitui professor? Em que ambientes sou professor? O que me realiza como professor? Quais os meus sonhos, minhas utopias? Como me sinto professor? Foram questionamentos que fiz a mim mesmo durante o processo de pesquisa e que, de certo modo, contribuíram nas reflexões da dissertação de mestrado. Por meio dos procedimentos da história oral de vida me aproximei das experiências e vivências pessoais e profissionais de três professoras que colaboraram com essa pesquisa. Junto a essas histórias de vida está a minha história, extraída como síntese do memorial que escrevi ao longo do trabalho; desse modo, fui pesquisador e pesquisado.
            Dentre os vários fatores e elementos influentes constatados pela pesquisa, alguns têm destaque nas narrativas dos professores: a) a política partidária, que consideramos como o elemento que nega o Ser Professor, e b) os baixos salários, elemento de desvalor do Ser Professor.
            As interferências político-partidárias caracterizam-se como pontos nevrálgicos no ambiente de trabalho. Os professores passaram por momentos difíceis, que causaram mudanças de comportamento, revoltas, silêncios. A política partidária fez/faz do professor objeto de manipulação. São relações de poder que neutralizam a multidimensionalidade das relações interpessoais, tolhem projetos, ideais, vidas. Neste caso, o poder é entendido como o poder das alianças político-partidárias.
            Ao tratar sobre os sistemas hierárquicos ou de poder, MATURANA (2001) afirma que não são sistemas sociais porque são sistemas de convivência constituídos sob a emoção que configura as ações de autonegação e negação do outro, na aceitação da submissão própria ou da do outro, numa dinâmica de ordem de obediência. Os sistemas sociais, ao contrário, são sistemas de convivência constituídos sob a emoção do amor, que é a emoção que constitui o espaço de ações de aceitação do outro na convivência. Segundo o autor, sistemas de convivência fundados numa emoção que não seja o amor não são sistemas sociais. Para Maturana, amor é traduzido como respeito ao outro como legítimo outro, o valor da singularidade dos modos de ser e existir do outro. Por isso, as lutas, as investidas dos professores contra poderes dominadores, excludentes e aliciadores se colocaram/colocam como lutas por fazer valer sua legitimidade de docentes; sua luta por sistemas sociais fundados no respeito e no comprometimento ético com a outreidade – o valor do outro em sociedade. Nessa direção, MATURANA (1998, p. 75), afirma que “[...] sem aceitação mútua não pode haver coincidências nos desejos, e sem coincidências nos desejos não há harmonia na convivência, nem na ação nem na razão e, portanto, não há liberdade social”.
            Essas “pressões” sobre os professores os fez/fazem silenciar, calar. E esse calar provoca mágoas, provoca tristeza. Um dos colaboradores da pesquisa afirmou:

Houve momentos de eu chegar em casa e chorar... Esse calar já provocou tudo isso. Muita mágoa mesmo, até raiva. Não raiva do outro, mas uma raiva que você internaliza e às vezes desconta no outro.” Em outro ponto enfatizou que houve momentos em que não tinha forças nem para levantar da cama, de não querer ir para o trabalho. “Já senti essa vontade, sim. Chegava de manhã e não tinha ânimo, eu que durante sete, oito anos levantava com aquela vontade de trabalhar, mesmo com o cansaço da faculdade, [...] era um cansaço morto. Era um cansaço que estava remoendo aos poucos, matando aos poucos”.

            O cansaço da desistência, do abandono. O cansaço de um ser que se vê/sente negado. Outro colaborador retratou em sua narrativa alguns aspectos em que a política partidária aparece como interventora. Para ele há uma imposição e uma falta de espaço para o professor:

Eu vejo que é do jeito que eles querem, do jeito que eles impõem e pronto. Tem pouco espaço para os professores colocarem suas idéias. Eu vejo que a influência é muito grande. Como é que posso dizer... Aí é que vão faltar palavras para mim... Impede muito, tem pessoas que são capazes, que deveriam fazer um trabalho bom e não estão fazendo por causa da política, cargos políticos”.

            Nessa direção, concordando com MATURANA (2001:165), todo sistema político coercitivo visa, explícita ou implicitamente, a reduzir a criatividade e a liberdade, especificando todas as interações sociais como o melhor meio de eliminar os seres humanos enquanto observadores, e assim atingir a permanência política injusta. Atingir a permanência da tirania e da negação humana.  Um dos respondentes considerou que:

 “A política faz parte do nosso trabalho, quando vinculada ao bem comum do cidadão. No entanto, quando passa para a politicagem ela não nos oportuniza liberdade de expressão, de reivindicação de nossos direitos. Oprime nossas ações para a mudança, para a busca de inovações. No nosso cotidiano a política partidária deixa a desejar. Não cumpre a sua filosofia: Democracia”.

            Democracia que deveria ser um “projeto comum de vida”, como defende MATURANA (1998:78), ou ainda, uma conspiração democrática – conspiração ontológica que nos confere liberdade porque se funda na confiança e no respeito mútuos – não requer um ser humano novo, requer apenas sinceridade na participação conspiratória, democrática, e tal sinceridade não é difícil se cada um de nós sabe que é efetivamente parte dessa conspiração, que estamos entrelaçados na dinâmica social da qual somos produto e produtor. Desse modo, se nessas relações não se vive a “conspiração democrática”, se não há desejos comuns, não há aceitação do professor como um legítimo outro, como alguém que tem suas verdades, saberes, há sua negação. Desconsidera-se a pessoa e o professor, desconsidera-se o humano.
            O salário é causa de desvalorização profissional. Alguns aspectos da vida pessoal dos professores ficam limitados pelos baixos salários: o lazer, a compra de livros, entre outros:

 “O professor não tem condições nem para comprar um livro, só lê se pega emprestado, ou tira xérox da parte principal. Acaba desmotivando qualquer um. A educação vai melhorar em todo o Brasil e no mundo quando o professor for mais reconhecido financeiramente”.

            Há uma necessidade de reconhecimento profissional, e este reconhecimento passa também pelo salário. O ambiente escolar é também ambiente onde se “aprende a lutar por salários mais justos, por melhores condições de trabalho” e pelo reconhecimento profissional.
         Percebi, por meio das narrativas dos colaboradores, que as relações no ambiente de trabalho são relações de negação do outro e de si mesmo quando centradas na desconfiança, no individualismo e no negativismo; são relações de aceitação do outro quando a cooperação, a compreensão, os objetivos comuns, as práticas solidárias e o respeito se colocam como valores orientadores das ações e interrelações sociopoliticas e socioeducativas. 
               Conforme posicionou-se um dos informantes da pesquisa: “dá a impressão de que o professor não serve mais, eu fico triste com isso. É a base”. Para nossos narradores, o professor está sendo deixado de lado, está ficando sem importância. “Por que não valorizar o professor, a nossa profissão? Antes havia um respeito pelo professor, mas agora é tão normal...”  A professora narrou que infelizmente está com a visão de que “o professor é um coitado”. Outro informante afirma que não perdeu a esperança, mas se coloca: “não sei se esse professor já perdeu a esperança também...” Essa percepção sobre o professor pode estar sendo influenciada pelo que vivem os professores no seu contexto de trabalho e, nesse sentido, salientam e questionam: “se não melhorar a perspectiva do professor, o que será de nós, professores?”.   
         Segundo uma das narrativas, “a educação pode melhorar se começarem a olhar de outra maneira para o professor”, e esse olhar começa por nós. A responsabilidade de um outro olhar sobre o professor é de todos. Essa profissão é o que há de mais comum entre nós e se desfazemos, desprezamos, negamos aos outros que dela também fazem parte, estamos negando a nós mesmos. 
         O professor foi forjado, tornou-se professor. Percorreu uma trajetória para ser professor. Alguns são professores porque brincaram de ser professor na infância, porque ajudaram colegas nas lições de casa. Outros porque os pais queriam que fossem professores. Era sonho do pai ou da mãe e/ou até mesmo por não haver outra opção para o curso universitário, ou porque o ensino médio foi o magistério, e então tornaram-se professores. Alguns são professores porque esta profissão os identifica. Entre tantos outros professores, alguns são professores porque gostam de discutir, conversar, dialogar, porque há um envolvimento com a comunidade onde estão inseridos, com a sociedade.
            Esse ser humano aspira e deseja ter uma vida digna, ser reconhecido como pessoa que faz a história junto com os demais. Anseia por tempo para ler, estudar. Por espaço para discutir suas idéias. O professor anseia por condições materiais para desenvolver seu trabalho, quer apoio. Todo professor aspira à liberdade de expressão política, deseja trabalhar em ambientes saudáveis onde possa conviver e viver com dignidade, respeito, cooperação, aceitação de suas diferenças culturais, raciais, enfim, como professor deseja afirmar sua identidade, o que é e como é, seu SER, sua HUMANIDADE. É importante conferir ao professor o direito à liberdade de pensamento, de sentimentos; o direito de expressar sua personalidade, seus gostos, seus ideais, projetos. É importante não negar suas potencialidades: de afeto, de projeto, de conhecer, fazer.
            Diante do recorte da pesquisa, explicitado neste blog, pergunto às autoridades e aos futuros candidatos à governança municipal: COM QUAL ENTENDIMENTO DE DOCÊNCIA CONSTRUIRÃO SUAS PROPOSTAS POLÍTICO-PARTIDÁRIAS PARA CONCORRER ÀS ELEIÇÕES?

NOGUEIRA, Valdir
DbNog. B

2 comentários:

  1. Tal questionamento pode ser extendido ao governo de modo geral, ou seja, qual o entendimento de docência por parte dos nossos governantes? Está sendo novamente deflagrada uma greve, nas universidades públicas federais, pelo desrespeito do governo em relação à dignidade da vida dos docentes!

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  2. Por isso, Sônia, entendo e defendo que no momento em que o Brasil, a sociedade brasileira parar e entender o sentido da Educação,se fortalecerão as lutas dos docentes. Se a Educação parar neste país, alguma coisa tem que acontecer.

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